Inominável Inominável #11 | Page 51

51

VIDA

Nº 11 - Dezembro 2017

de se antecipar ao pior dos cenários! Foi assim, de roteiro na mão, que fiz o meu papel de co-pilota, de braço esquerdo nas (muitas) portagens por onde passámos num carro com volante à direita; lutei contra o sono, conheci muitos WCs pelo caminho, falei em inglês, francês e espanhol (ou “espanholês”, foi mais isso) e, durante uma viagem que durou mais de trinta horas quando a média seria de vinte, deparámo-nos com chuva constante, tendo de fazer pausas mais vezes do que o previsto. Dormi sentada, ora para a esquerda ora para a direita, e acabei por (não) ver a beleza dos Pirenéus na noite cerrada. Vimos, isso sim e para tristeza nossa, muita terra queimada, e sentimo-nos um pouco como ela, agastados e esfomeados, desejosos de um banho e de uma cama. Quando vi a placa onde estava escrita a palavra “Portugal” senti inesperadamente lágrimas nos olhos, e dei graças a Deus por a minha família viver a menos de uma hora da fronteira! Finda a via sacra, finalmente saboreávamos o calor da família, de um banho, de uma refeição decente...!

E por ali ficámos a usufruir de uns merecidos dias de férias em Vila Nova de Cerveira, no distrito de Viana do Castelo, localidade conhecida como Vila das Artes e com um lugar especial no meu coração, tendo sido destino de férias em todos os verões da minha infância. Matei saudades da mãe, da irmã e dos sobrinhos, do sol, do acordar sem despertador, da vista da janela para a paisagem que é mais nossa... Ah, e da bola de Berlim...! Existe coisa mais saborosa que a doce languidez do estado de férias, e com a nossa gastronomia? Se existe, naqueles dias não me ocorreu nada melhor, dias esses que escorreram pelo calendário até que, quando dei por isso, estava no aeroporto a embarcar para uma nova vida, com as malas que pareciam ter-se tornado uma extensão de mim mesma e que haviam sido, até àquele momento, como que a minha casa, o espaço resumido da minha vida e do percurso que me levara até ali. O importante não são as coisas, é certo. Mas algumas delas podem reflectir-nos: aqueles livros, fotografias, aquela prenda que alguém especial nos deu, aquela outra que trouxemos de um sítio inesquecível... não é materialismo, são memórias que ganharam forma e corpo, e eu cada vez gosto mais delas! Depois de uma hora de atraso no voo e mais umas quantas no porto para ir buscar o carro, que seguira