Inominável Ano 2 Inominável Nº8 | Page 72

Tanto mar...

Ela faz de mim o que bem quer,

eu quero ser o que ela pretende;

seremos o bem que bem couber,

quem ao outro faz querer viver.

O mundo ruge alto num cerco de velho leão cego,

ao redor de tudo ela se move e faz de mim seu bem-me-quer.

Todo dia eu acordo em sua companhia, temos um acordo:

ela é a cor do que veio antes e eu do nada a cor do porvir.

Somos um novo Tratado de Tordesilhas

não reconhecido em Versalhes;

daqui até ao longe nada nos atinge.

Se ela abre a boca solta os verbos da língua

enquanto eu vesgo pisco um olho

arranjando novos tempos para esse vaso antigo.

Espanca-nos o tempo, a eternidade é reprise;

bela flor cinza no espelho do sem fim.

Porque ela acorda eu amanheço,

porque abro os olhos ela vive.

A vida é mesmo esse impulso,

extremidades onde espreguiçamos.

Ela envergadura,

é a tensão da potência recolhida;

somos as pontas do arco,

o inteiro no prumo.

Mas hoje não faremos nada,

temos um acordo de preservação.

Nossa espécie fulgura rupestre,

pesam-nos as pálpebras vultos pintados

por um clarão na Serra da Capivara.

Ela rasga o véu do palato,

nada mais nos separa.

: do negrume penumbroso o passado aflora

e permite ver pela fresta o futuro inominável.

Do corpo dela ergo-me espantalho continente.

Desperto em sombras espero,

ela está sempre quase pronta

e faz de mim o que bem quer

se quero ser para ela

o que pretende de mim.

Um tratado entre eu e a poesia

Baltazar | Brasil

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