Tanto mar...
Ela faz de mim o que bem quer,
eu quero ser o que ela pretende;
seremos o bem que bem couber,
quem ao outro faz querer viver.
O mundo ruge alto num cerco de velho leão cego,
ao redor de tudo ela se move e faz de mim seu bem-me-quer.
Todo dia eu acordo em sua companhia, temos um acordo:
ela é a cor do que veio antes e eu do nada a cor do porvir.
Somos um novo Tratado de Tordesilhas
não reconhecido em Versalhes;
daqui até ao longe nada nos atinge.
Se ela abre a boca solta os verbos da língua
enquanto eu vesgo pisco um olho
arranjando novos tempos para esse vaso antigo.
Espanca-nos o tempo, a eternidade é reprise;
bela flor cinza no espelho do sem fim.
Porque ela acorda eu amanheço,
porque abro os olhos ela vive.
A vida é mesmo esse impulso,
extremidades onde espreguiçamos.
Ela envergadura,
é a tensão da potência recolhida;
somos as pontas do arco,
o inteiro no prumo.
Mas hoje não faremos nada,
temos um acordo de preservação.
Nossa espécie fulgura rupestre,
pesam-nos as pálpebras vultos pintados
por um clarão na Serra da Capivara.
Ela rasga o véu do palato,
nada mais nos separa.
: do negrume penumbroso o passado aflora
e permite ver pela fresta o futuro inominável.
Do corpo dela ergo-me espantalho continente.
Desperto em sombras espero,
ela está sempre quase pronta
e faz de mim o que bem quer
se quero ser para ela
o que pretende de mim.
Um tratado entre eu e a poesia
Baltazar | Brasil
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