Inominável Ano 2 Inominável Nº8 | Page 45

Ficou a intenção e o frio nas pernas, mas o passeio no entanto valeu a pena quando assisti ao vivo a um dos furtos mais engraçados e no entanto corriqueiros por estas paragens: na direcção oposta a nós vinha um casal em amena cavaqueira, e o senhor deliciava-se com um gelado acabadinho de comprar. De repente, por trás dele, surge uma gaivota que fica a pairar sobre os ombros dele, observando o que ele levava na mão e - juro por Deus! - a ponderar se valeria o esforço do furto.

Acho que ela gostava de baunilha, pois passados dois segundos, e numa bicada repentina, tira-lhe o gelado da mão e voa disparada, quase acertando com as asas na nossa cabeça. O homem, indignado, exclama “Bloody hell!”, e eu desmancho-me a rir sem me conseguir conter. E ele, inconformado, continua a desabafar, a dizer que tinha chegado de França e tinha ido ali directamente de propósito para comer o gelado... Não contava ele com esta nova evolução da espécie, gaivotas dos dias modernos, que não trocam uns bons restos de McDonald´s e gelado como sobremesa por um peixe fresco e sem tempero! E, se tiver de ser peixe, que seja fish and chips deixados nas mesas das esplanadas, sempre dá outro apetite! Ele lá perdeu o gosto ao dente e eu ganhei o dia com esta cena digna de Hitchcock, que relembrei alegremente enquanto bebia o café - já com sol! - na localidade onde moro.

Tal como o tempo, aqui em Inglaterra por vezes as coisas são imprevisíveis, por isso não vale a pena sofrer por antecipação seja pelo que for, resta esperar que a vida em terras de Rei Artur nos traga exactamente aquilo de que precisamos. Até agora é o que tem acontecido, e eu estou grata a este país que me acolheu apesar de ter a minha opinião, baseada naquilo que vivo e não em ideologias políticas. Como eu digo a quem muito reclama e despreza o país onde agora vive, o mundo é muito grande e ninguém nos força a ficar, porque há quem fale como se estivesse a cumprir uma pena de prisão. Já lá diz o ditado português: “Quem está mal muda-se” e nós, apesar de não nos identificarmos com muitas coisas, seguimos o nosso caminho, entre dias de sol e de nevoeiro, sem receio do destino... e dele vos vou falando, no nosso encontro habitual, não importando o tempo lá fora.

See ya soon!

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Nº 8 - Junho 2017