A Liberdade
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Pedem-me Abril.
Não sei dele, para onde fugiu. Reconheço os cravos, existem dentro do que sou, numa memória dentro da memória.
Contradições e paradoxos, o costume.
Como o da liberdade individual se definir por pequenas coisas. Em criança lembro-me que me ardia o desejo de decidir por mim, sonhava com outros dias, dias em que pudesse comer o que me apetecesse em restaurantes onde carnes e peixes estariam à minha escolha. Hoje que o faço adoraria regressar à velha casa onde me sentava e comia o que me punham no prato. A liberdade em mim, cada vez mais, é uma via rápida de pensamento, não uma acção concreta.
É isso Abril?
É também isso. Mesmo o que me inquieta?
A inquietude de as saudades não serem apenas um tributo a quem se ama? Sim, é possível tê-las também por quem se odeia; são de uma outra espécie, indecifrável e dolorosa.
Salazar.
Já não são apenas os saudosistas do Império ou cegos de fascismos que as têm… Hoje, mais do que nunca, são os esfomeados de liberdade e os que arriscaram a sua vida pela Democracia a tê-las. Saudade do que corporizava todos os males, do que mandava torturar e assumia a miséria como virtude. Porque se ele existisse, se o pudéssemos olhar, saberíamos imediatamente onde estar e a que horas.
Mas não sabemos. E precisamos de saber onde nos poderíamos reunir para lá de todos os encontros que marcamos connosco próprios.
Tantos encontros que tenho comigo.
Tentativas.
Pensamentos que me saem, como o da liberdade de pensamento não estar ao alcance dos que não tentam ver mais além. Dos que têm aversão à falta de uma passadeira vermelha. Dos que não arriscam um milímetro com pânico de ficarem excluídos do banquete do gosto comum. Um livre-pensador só é livre se for pensador e só é pensador se for livre. É um lugar comum. Pornograficamente óbvio. Mas falha-nos o óbvio tantas e tantas vezes – sobretudo aos que vivem obcecados com o Santo Graal.
Podemos ficar por aqui?
Pelas saudades também do que fui, de um outro tempo, um outro Abril em que sonhei ser jornalista e combater pela liberdade.
por Luis Osório