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- Contaste a alguma delas?
Foi a primeira coisa que lhe perguntou. Pousou o casaco sobre o sofá e sentou-se. Tinha as pernas a tremer.
- Não. – disse ele – Disseste-me para não dizer nada. Fiquei à espera.
Ela acenou com a cabeça, tirou os dois papéis do bolso.
- Reconheces este sítio?
Ele olhou o nome que ela indicava, sentando-se ao seu lado.
- Sim. Não é exactamente perto de onde vivo, mas já visitei. – Olhou-a.
Ignis acenou, dobrou o papel e voltou a guardá-lo no bolso.
- O que é que se passa? O que é que o tem o papel?
- É o meu certificado de nascimento.
Ele reflectiu por uns minutos.
- Vocês não têm maternidade na aldeia? Não sabia que era normal nascerem onde nós – apontou para si mesmo – vivemos. Escarlate disse-me que vocês não se misturam, que raramente vão lá abaixo.
- Eu nunca fui. Mas sei que a Escarlate já lá viveu. – mostrou-lhe o outro papel. – Eu encontrei isto dentro de um livro, aqui em casa. Os dados são todos iguais, excepto o nome e os progenitores.
Miguel pegou no segundo papel e, tal como Ignis tinha feito dias antes, espalmou-os lado a lado.
- Hum, isto não faz sentido.
Não era o tipo de ajuda com que ela contara mas, a ser honesta, era o que deveria ter esperado. Miguel não ia saber, do nada, o que é que aquilo significava. Ela esperava que ele lhe dissesse que, às vezes, os certificados têm nomes diferentes, de outras pessoas associadas ao nascimento, que progenitores é mais do que um nome para “pais”. Mas ele não lhe dissera nada disso. Apenas olhara para os papéis, com tantas dúvidas quanto Ignis.
Ignis levantou-se, guardando os dois papéis.
- Eu tenho de ir embora. – encarou-o – Por favor não lhes contes nada. Quero ser eu a falar com elas primeiro.
Miguel aquiesceu e viu-a fechar a porta atrás de si.
Ignis caminhou sobre a neve, lentamente. O turno de Sora terminaria dali a umas horas. O que é que lhe podia acontecer ao encará-la? Tinha encontrado o segundo papel por acaso e Sora nunca lhe tinha escondido o primeiro certificado.
Nº 10 - Outubro 2017