Investigação
As ilhas Selvagens foram durante séculos objecto de propriedade particular, mas sempre por parte de cidadãos portugueses.
Encontram-se, actualmente, registadas em nome do Estado Português, por força da venda que, em 1971, teve lugar. Antes da referida venda, as ilhas, de acordo com a certidão datada de 20 de Dezembro de 1937, e emitida pelo ajudante do Conservador Privativo do Registo Predial da Comarca do Funchal, eram de propriedade de um particular, Luís Rocha Machado. Atente-se, a este propósito, no conteúdo da referida certidão: «As “Ilhas Selvagens”, acham-se descritas sob o número trezentos e quarenta e oito a folhas sete verso do Livro B-quarto da extinta Conservatória do Concelho do Funchal e se compõem das denominações “Grande Selvagem, “Grande Pitão”, “Pequena Pitão”, e diversos “Ilhéus” e acham-se inscritas a favor de Luís da Rocha Machado, solteiro, maior, proprietário, morador À Estrada das Tílias, Freguesia do Monte”.
Ou seja, à época, as Ilhas Selvagens, pertenciam, em propriedade plena, a um português: Luiz da Rocha Machado. A pergunta que se pode pois colocar é a forma como as Selvagens foram objecto de aquisição por este cidadão português.
Artur Sarmento, reputado historiador madeirense, escreve a este propósito:
«No século XVI pertenciam estas ilhotas a uma família madeirense do título de Cayados. Um dos seus descendentes, o cónego Manuel Ferreira Teixeira, doou-as, por 1560, a sua sobrinha D. Filipa Cabral de Vasconcelos, casada com José Ferreira de Noronha Franco, dos morgados das Selvagens. Quando em 1863 foi posta em execução a lei da extensão dos morgados, alguns deles registaram oficialmente os seus bens, tendo-se disso descurado o morgado Cabral de Noronha. Em 1904, os seus herdeiros venderam-nas por posse incontestada ao sr. Luiz da Rocha Machado, seu actual proprietário”.
Resulta da afirmação supra, a constatação, documentalmente suportada, de que, já no séc. XVI as ilhas Selvagens pertenciam a particulares portugueses, nada se tendo descoberto, em sede de investigação realizada, acerca de eventuais títulos de propriedade relativos às ilhas que pudessem estar registados por particulares espanhóis em conservatórias espanholas, o que só confirma a aludida titularidade lusa.
1.2. A soberania portuguesa sobre as ilhas
Esta evidência acerca da propriedade das ilhas, permite-nos, desde logo, partir para uma outra matéria com ela conexa, e da maior importância: a questão da soberania sobre as ilhas. Na verdade, e tendo as Selvagens sempre pertencido em sede de propriedade, a cidadãos portugueses, qual a possibilidade real de as mesmas pertencerem em sede de soberania a um outro Estado estrangeiro, nomeadamente a Espanha?
Atente-se na narração de Diego Gomes, descobridor oficial das Selvagens, já atrás mencionada, acerca da forma como as Selvagens foram descobertas:
“Em certo dia, vindo eu, pela última vez da Guiné, a meio das Ilhas Canárias e a da Madeira, vi uma ilha e estive nela, chamada ilha Selvagem. É estéril, ninguém habita aí, nem tem árvores nem rios. As caravelas do senhor Infante descobriram esta ilha e descendo em terra acharam muita urzela, que é uma herva que tinge os panos de cor amarela, em acharam-na em grande abundância.
Depois alguns pediram ao senhor Infante que lhes desse licença para irem ali com as suas caravelas e pudessem transportar a urzela a Inglaterra e Flandres, onde tem grande valor. O Senhor Infante, deu-lhes lecença, com a condição de lhes darem (deve dizer-se de lhe darem) a quinta parte do lucro, o que fazem.
E o senhor Infante mandou para ali cabras, machos e fêmeas, que se multiplicaram em grande multidão”.
Daqui se conclui, de forma evidente, que até à sua descoberta por Diego Gomes, mandatado este por Portugal, as Selvagens não eram habitadas e que Portugal, a partir do momento em que as descobriu, as passou a considerar como sendo portuguesas.
Significa isto que as ilhas Selvagens pertencem a Portugal por “direito de descobrimento e de posse ininterrupta”, atestada, além do mais, pelo facto de “desde a colonização da Madeira, as Selvagens, como as Desertas, terem secularmente sido incorporadas no Governo daquela ilha e hoje no Distrito administrativo do Funchal.
Aliás, decorre dessa assunção de soberania por parte de Portugal, e do facto de o Estado português se considerar, portanto, competente para sobre elas poder legislar, a referência constante do preâmbulo do Decreto-Lei datado de 1 de Novembro de 1932: ”as Ilhas Desertas e as Ilhas Selvagens, pertencentes ao distrito administrativo do Funchal, constituem propriedade particular”, para nele depois se estipular que “são consideradas em regime de reserva de caça, a favor dos respectivos proprietários, as Ilhas Desertas e as Ilhas Selvagens, do distrito administrativo do Funchal”.
Importa, contudo, deixar claro que esta assunção de soberania por parte de Portugal sobre as ilhas Selvagens não é apenas por este objecto de reconhecimento e de testemunhos nacionais, porventura parciais. Pelo contrário! Trata-se de uma matéria que, quer no passado, quer no presente, é objecto de um consenso generalizado.
Avessac, na I parte da sua obra “Iles de l’Afrique”, intitulada Arqhipel de Madere, consagra um parágrafo especial às Selvagens, considerando-as portanto, portuguesas. (Conforme referência que lhe é feita no Parecer nº 50 da Comissão de Direito Marítimo Internacional, de 15 de Fevereiro de 1938.)
Vivien Saint-Martin, no “Nouveau Dictionnaire de Geographie Universell” ; Reclus, no Vol XII – Africa Ocidental ; o Dicionário Prático Ilustrado (Rio de Janeiro); Hugg R. Mill, em “The International Geography” ; Achille Dardano e Riccardo Riccardi, no “Atlante d’Africa”; e a Enciclopédia Universal Ilustrada, Europa-Americana, consideram-na uma dependência da Madeira.
Igualmente a prestigiada “Enciclopédia Britânica”, bem assim como o “África Pilot” nesta as incluem, o mesmo sucedendo com outras obras de prestígio, nas quais se incluem os Atlas mais autorizados: Stielers Hand-Atlas, Atlas de Geografhie Moderne, de Schrader; The Times Atlas; Special Karte Von Africa; The New World Loose Leaf Atlas.
Também desde muito cedo, o reputado roteiro para turistas “Brown’s madeira, Canary Island and Azores” descreve as Selvagens como pertencentes a Portugal (Referência constante do aludido Parecer nº 50 da CDMI).
Na actualidade, todas as mais prestigiadas obras internacionais no domínio da ciência, geopolítica, defesa, entre outras, bem assim como organismos internacionais como a UNESCO reconhecem a soberania portuguesa sobre as ilhas Selvagens. (Inúmeras obras por todo o mundo e mesmo relatórios oficiais da UNESCO como o que foi elaborado no âmbito do processo de candidatura das Selvagens a Património da Humanidade).
Aliás, se assim não fosse, teriam de existir protestos firmes e permanentes por parte de outros Estados junto das variadas instâncias internacionais, pondo em causa esta soberania portuguesa, o que não sucede.
Veja-se, inclusive, que também das declarações públicas, mas também das constantes de documentos reservados (Ver ANEXO 2) por parte de responsáveis de Espanha, resulta claramente a afirmação de que a soberania de Portugal sobre as Selvagens não está minimamente em causa.
2. A reivindicação de soberania por parte de Espanha e um marco para a afirmação da soberania portuguesa: o estabelecimento de um farol nas ilhas Selvagens
E isto apesar de, no passado, nem sempre Espanha assim o ter pensado, pelo menos em sede do seu “discurso oficial” de Estado.
Até porque, nas Canárias, tal não se passava. A verdade é que os próprios canários sabiam, e disso davam nota pública, desde logo a partir da década inicial de 1800, de que as Selvagens eram pertença de portugueses. Se assim não fosse, como se explicaria o “Aviso” publicado no “Correo de Tenerife” número 12, datado de 10 de Novembro de 1808, e no qual se demandava junto dos leitores daquele periódico do eventual interesse destes em adquirirem as ilhas Selvagens que, diz-se no mesmo, “pertencem à família portuguesa e Casa de Cabral da Madeira?” (ANEXO 0). Nele pode ler-se:
«AVISO. La persona a quien acomode comprar las dos Islas llamadas Salvajes que pertenecen en propiedad libre a la familia portuguesa y casa de Cabral en la Isla de la Madera, puede dirigirse al Presbítero D. Miguel Cabral de Noroña, Capellan de Ejercito, residente en la Ciudad de La Laguna Capital de Tenerife, que este dirá con quién ha de tratarse, y en que terminos» .
Terá sido, todavia, no ano de 1881 que Espanha decidiu que deveria fazer algo do ponto de vista diplomático relativamente às Ilhas Selvagens. E isto porque, alegadamente, as Selvagens constituiriam um perigo para a navegação dos barcos rumo às Canárias. Espanha terá então decidido construir um farol (ANEXO 1), intenção esta que, tendo chegado ao conhecimento do governo de Portugal, foi objecto de um imediato protesto português.
Na verdade, em nota da sua Legação de Espanha em Lisboa, dia 23 de Julho de 1881, depois de propor ao Estado português que contribuísse “com la mitad de los gastos que ocasione su construccion” (a construção de um farol na Selvagem), estando porém, o Governo espanhol resolvido, caso aquela proposta não o conviesse aos interesses portugueses, “ à hacer la obra por su cuenta”, para o que esperava: “que el de Portugal preste su aquiescência y no ponga obstáculos de ninguna clase à la realizacion de una ideia tan humanitária, sin que este prejusque ninguna cuestion sobre el domínio de la Isla Selvage…”
Nesta nota escreveu-se ainda o seguinte:
“De los antecedentes que existen en el Ministério de Estado em Madrid, se deduce claramente que no está determinado si la soberania de la Isla pertence a la España o a Portugal, y aunque por la proximidad à las Islas Canárias y a estar considerada como una de las del grupo de que se componen pudiera suponerse que es del domínio español, hasta la fecha no há sido declarado el mejor derecho”
Mas, mesmo nesta nota diplomática, a convicção que existia por parte de Espanha de que a soberania lhe pertencia, é colocada, como se constata, de forma muito dubitativa.
O Governo português respondeu a esta nota, concordando em que o Governo Espanhol poderia construir à sua custa um farol nas Ilhas Selvagens, sem prejuízo da questão de soberania sobre aquelas ilhas, subsistente entre Portugal e Espanha.
A construção de um farol numa das ilhas Selvagens foi considerada, pela primeira vez, numa reunião da comissão de faróis e balizas, realizada em 9 de Setembro de 1881, a solicitação do governo espanhol. Este governo solicitava do governo português a sua cooperação para o estabelecimento de um farol de primeira ordem natural naquela ilha» . Aquela comissão, considerando que o estabelecimento daquele farol interessaria, fundamentalmente, à navegação que demandava as Canárias, reconhecia a sua utilidade, mas entendia que Portugal não deveria contribuir para a sua construção naquele momento, por estar cometido à mesma comissão o estudo de um projecto geral de iluminação das costas de Portugal e ilhas adjacentes e julgar mais vantajoso reservar para a rápida execução de tal projecto todas as verbas de que pudesse dispor.
De acordo com o Arquivo do Ministério de Negócios Estrangeiros de Portugal, em 5 de Dezembro do ano de 1881 “pediu Constantino Cabral de Noronha, a bem do seu direito de propriedade sobre aquelas ilhas, e para que da construção do farol não resultassem prejuízos para ele e para seus arrendatários, no rendimento que dali auferem, se impusesse como condição da concessão o obrigar-se o Governo Espanhol a celebrar com ele e herdeiros um contrato a tal respeito. Estava concluído o ajuste e, portanto, o Sr. Ministro Ribeiro limitou-se, em nota de 13 de Dezembro, a dar conhecimento deste pedido ao Sr. D. Juan Valera (Ministro de Espanha) para que o transmitisse ao seu Governo, dizendo-lhe pela mesma ocasião que o Governo de sua Majestade confiava em que os legítimos direitos e interesses do proprietário e dos rendeiros seriam respeitados e atendidos, quando se procedesse à construção do farol”.
A este pedido não foi obtida qualquer resposta o que levou a que o Governo português insistisse na mesma, o que veio a acontecer, em nota datada de 24 de Novembro de 1887, através da qual a Legação de Espanha declarava que, segundo a comunicação do Ministro de Estado, “se há dispuesto por el de Fomento que en el projecto de dicha obra se inclua una partida destinada a indemnizar al Sr. Cabral de Noronha, previa transacion pericial del terreno, cuando se a incoado el expediente de expropriaccion, lo que no pedrá tener lugar hasta tanto que va aprobado el mencionado projecto que está en estúdio y se haya de proceder à su ejecucion”.
Seis anos depois daquela data, em 6 de Outubro de 1911, é recebida uma nova provinda do Governo de Espanha, comunicando que o Rei tinha havido dispor, de conformidade com o proposto pelo Ministro do Fomento, que “las islas situadas hacia los 30º de latitud N. y 10ºde longitud E. de S. Fernando se consideran para todos los efectos como compreendidas en el Archipelago Canario y por lo tanto la Jefetura de Obras Publicas de Canárias y la del Servicio Central de señales marítimos procederia de comum acuerdo a designar el emplazamiento del faro de recalada de dichas islas intermedias llamadas Selvages y Pitones, y a tomas las demas destes necessários para su construccion y la de cualquiera otras señales que convenga estabelecer en aquellas costas y igualmente en las del Rio de Oro y sus adjacentes, que tambien se consideran incorpradas á Canárias…”
Tratou-se, até à data, da única vez em que Espanha afirmou taxativamente e oficialmente que a soberania sobre as Ilhas Selvagens lhe pertencia. Contudo, esta afirmação de soberania não deixa de ser estranha. Na verdade, que novos factos se terão passado para que, entre o ano de 1881, data em que foram iniciadas negociações entre Portugal e Espanha para a construção de um farol nas Selvagens, e período no qual Espanha reconhecia “não estar determinado se a soberania da Ilha pertencia a Espanha ou a Portugal” e não ter sido até então “declarado o melhor direito”, e o ano de 1911, data em que Espanha, desta feita, comunica que, de futuro, consideraria as Selvagens compreendidas no arquipélago das Canárias?
Desconhecemos em absoluto os argumentos que Espanha invocava para o efeito porque, na verdade, não os forneceu.
Mais parecendo, portanto, que Espanha quis colocar Portugal perante um facto consumado .
A esta nova nota reagiu o Governo português através de documento congénere, datado de 27 de Outubro, e em que nela recordou a nota espanhola de 23 de Julho de 1881, e fez alusão a vários incidentes relacionados com a propriedade e que haviam sido cometidos naquelas ilhas por pescadores espanhóis das Ilhas Canárias.
A estas queixas, respondeu o Governo espanhol, indicando quais as providências por si tomadas para que não voltassem a ser cometidos abusos daquele género.
Ora este tipo de atitude é manifestamente demonstrativo do reconhecimento de soberania de Portugal relativamente às Selvagens. Trata-se de respostas, ou de documentos, típicos de quem reconhece a soberania dum país para reclamar contra atentados cometidos sobre as propriedades dos seus nacionais localizadas num outro Estado.
Ainda assim, o Governo espanhol deu conta de que estava disposto a tratar a questão das Ilhas Selvagens nos mais amigáveis termos e, em nova nota datada de 16 de Julho de 1912, comunicava que em breve receberia “instrucciones para constestar la aludida Nota de Vuestra Excelência (nota 27 de Outubro de 1911 do Governo de Portugal), reinvindicando los derechos de España relativos á las ditas islas”.
Esta nota foi imediatamente seguida de uma outra, de dia 30 do mesmo mês, nestes termos:
“…al mesmo tiempo me comunica instrucciones el Señor Ministro de Estado para hacer presente à Vuestra Excelência que, como en respuesta a la Nota que Vuestra Excelência tuve à bien dirigirme com fecha de 27 de Octubro del año último, tuve y ala honra de manifestar a Vuestra Excelencia, que el Gobierno de Su Majestad se proponie en breve mandarme tambien instrucciones que pusieran de relieve los derechos que alega España à dichas Islas Selvages y Pitones, manifiesto ahora a Vuestra Excelência que mientras estes derechos no se discutan, y esperamos lleguen a ventilar-se amistosos y cordialmente entre ambos países, el Gobierno del Rey, mi Augusto Soberano, confia en que por parte de Portugal no se realize ningun acto que prejudique la solución que pueda recaer en este assunto”
A esta nova nota respondeu, de novo, o Governo português em 1 de Agosto, declarando que se apressava: “a assegurar a V. Ex.ª. Que, de acordo com os desejos por V. Ex.ª manifestados, nenhum acto se praticará que de qualquer modo possa embaraçar a solução que venha a ter conversa inteiramente amigável e cordial dos dois Governos sobre este assunto”.
E, em cumprimento desta promessa, comunicava-se ao Ministro da Marinha de Espanha que: “… não sendo possível contestar a legitimidade desta solicitação (a do Governo Espanhol), rogo a V. Ex.ª se sirva dar-se necessárias instruções para nada se praticar de definitivo com respeito àquela farolagem, enquanto se encontrar pendente a discussão entre os dois Países sobre a propriedade das ilhas”. (…)
Entretanto, e de acordo com informação não classificada constante nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em 30 de Julho de 1912, o Marquês de Villalobar escreve ao MNE de Portugal a informar que as Ilhas Selvagens foram visitadas no dia 17 de manhã pela canhoeira da Marinha Real "Dona Maria de Molina”, tendo o seu comandante falado com o comandante da canhoeira portuguesa "Beira" que lhe expressou ter instruções no sentido de verificar estudos acerca da instalação de um farol nas referidas ilhas. Manifesta ainda que o Governo de Espanha espera que Portugal não realize, entretanto, nenhum acto que ponha em causa a solução que possa vir a ser dada relativa aos direitos que Espanha alega sobre as referidas ilhas.
Em Janeiro de 1913, o Almirante Schultz Xavier apresentou um relatório tendo concluído que, após o reconhecimento da Selvagem Grande e ter procedido a um levantamento e nivelamento, a melhor localização do farol seria no Pico da Atalaia.
A verdade é que, durante, pelo menos, os vinte anos que se seguiram, nada mais veio a acontecer relativamente à intenção espanhola.
A propriedade das Selvagens
Pedro Quartin Graça
incontestada ao sr. Luiz da Rocha Machado, seu actual proprietário”.
Resulta da afirmação supra, a constatação, documentalmente suportada, de que, já no séc. XVI as ilhas Selvagens pertenciam a particulares portugueses, nada se tendo descoberto, em sede de investigação realizada, acerca de eventuais títulos de propriedade relativos às ilhas que pudessem estar registados por particulares espanhóis em conservatórias espanholas, o que só confirma a aludida titularidade lusa.
A soberania portuguesa sobre as ilhas
Esta evidência acerca da propriedade das ilhas, permite-nos, desde logo, partir para uma outra matéria com ela conexa, e da maior importância: a questão da soberania sobre as ilhas. Na verdade, e tendo as Selvagens sempre pertencido em sede de propriedade, a cidadãos portugueses, qual a possibilidade real de as mesmas pertencerem em sede de soberania a um outro Estado estrangeiro, nomeadamente a Espanha?
Atente-se na narração de Diego Gomes, descobridor oficial das Selvagens, já atrás mencionada, acerca da forma como as Selvagens foram descobertas:
“Em certo dia, vindo eu, pela última vez da Guiné, a meio das Ilhas Canárias e a da Madeira, vi uma ilha e estive nela, chamada ilha Selvagem. É estéril, ninguém habita aí, nem tem árvores nem rios. As caravelas do senhor Infante descobriram esta ilha e descendo em terra acharam muita urzela, que é uma herva que tinge os panos de cor amarela, em acharam-na em grande abundância. Depois alguns pediram ao senhor Infante que lhes desse licença para irem ali com as suas caravelas e pudessem transportar a urzela a Inglaterra e Flandres, onde tem grande valor. O Senhor Infante, deu-lhes lecença, com a condição de lhes darem (deve dizer-se de lhe darem) a quinta parte do lucro, o que fazem.
E o senhor Infante mandou para ali cabras, machos e fêmeas, que se multiplicaram em grande multidão”.
Daqui se conclui, de forma evidente, que até à sua descoberta por Diego Gomes, mandatado este por Portugal, as Selvagens não eram habitadas e que Portugal, a partir do momento em que as descobriu, as passou a considerar como sendo portuguesas.