MAIO 2018 | 3
MEMÓRIAS
14 DE JUNHO DE 1997
A SORTE É PARA QUEM NÃO ESTÁ PREPARADO
Hoje vou partilhar um dos momentos mais marcantes no meu caminho dentro do Shorinji Kempo. A preparação para dia 14 de Junho de 1997, dia do meu exame para a graduação de 1.º Dan!
MESTRE MIYAGI
Ainda sou do tempo em que um exame para 1.º Dan nos dava privação de sono, mas não era só nas 24 horas imediatamente antes ao exame, era logo que o nosso Mestre anunciava de maneira enfática“ vão ser propostos a exame para 1.º dan”. Já vão entender porquê! Recordo-me, que na altura, eu e o meu parceiro Renato Marques- que infelizmente já não pratica- encarámos o exame como um desafio duro. Eu tinha catorze aninhos e ele quinze! O lema do Mestre Araújo era:“ com uma boa preparação e uns treinos ajustados, conseguimos atingir o nosso objetivo que é dar o nosso melhor e merecer o cinto negro que usamos à cintura” – foram, mais ou menos, estas as palavras que proclamou em frente a toda a classe de Leceia. Eu e o Renato cruzámos o olhar, rimos num misto de pânico, mas assumimos, perante o Mestre, o compromisso de darmos o nosso melhor. Ele respondeu:“ Muito bem, então vamos começar a preparação do vosso exame. Amanhã, no Estádio Nacional, às nove horas, em ponto!”.
ONDE O MAR COMEÇA E OS MAWASHI ACABAM
Com os olhos arregalados e por entre os dentes cochichei para o Renato:“ prepara-te vamos sofrer nas mãos do Mestre Miyagi e em junho será o momento da verdade”. Na realidade não estava muito longe da realidade que nos esperava. Treinávamos segundas, quartas, sextas e sábados, sem margem para faltas ou atrasos. Aos sábados iniciávamos alternadamente o treino de três horas, no Estádio Nacional, com uma“ corridinha” de sessenta minutos, com circuito, e terminávamos com treino técnico. Na praia / mata do Guincho, as ondas daquele maravilhoso mar- que tantos jun geri levaram- e os troncos de árvores da mata- que tantos mawashi geri ajudaram a corrigir- eram o nosso cenário do horror! Sem sombra de dúvida que merecíamos uma medalha só por aturar um Mestre tão chato- leia-se exigente- que não parava de reclamar- leia-se puxar pelos dois. Mas verdade seja revelada, um dos seus grandes atributos foi: a paciência absoluta. Os métodos, pouco usuais, mas muito eficazes de ensinar Shorinji Kempo e a capacidade de nos orientar quando a frustração nos alcançava.
50 TONS DE NÓDOAS NEGRAS Em êxtase acordei, da noite mal dormida, na manhã de 14 de junho. Recebi um abraço da Dona Mena, senhora minha mãe( como eu a trato) e um pedido legítimo:“ Por favor Joana, não chegues a casa como a tua irmã chegou no dia em que fez o exame para 1.º dan!”, sorri e acenei com a cabeça como se concordasse.
O meu pai, nada disse, acho que estava tão ou mais nervoso que eu! A caminho do Clube Atlético de Alvalade o Mestre Araújo, meu pai, quebrou o silêncio! Disse que não nos ia desejar boa sorte porque a sorte era para quem não estava preparado, e que confiava de olhos fechados nas nossas capacidades, que tínhamos tudo para fazermos não um bom, mas sim, um excelente exame. Bastava querermos, acreditarmos e darmos o nosso melhor, ainda acrescentou:“ meninos aconteça o que acontecer... amanhã continua a ser domingo!”. Começámos a rir, nervosíssimos! Éramos, se não estou em erro, dezasseis kenshi a ser examinados. O exame durou seis horas; quatro de manhã e duas à tarde. Foi um exame exigente, duríssimo tanto a nível emocional como técnico. A grande revelação é que, no final, mesmo num estado de exaustão inexplicável, o exame até me pareceu fácil, tal era a preparação. Felizmente fui considerada um dos melhores exames do dia e consegui atender- com distinção-, ao pedido da senhora minha mãe. Não cheguei a casa no estado que a minha irmã chegou; cheguei num estado muito pior que a Mónica Araújo de Albuquerque... mas com um cinto negro, merecido, à cintura. Que alegria! Um agradecimento especial, por esta memória, ao meu parceiro Renato Marques e ao persistente Mestre, senhor meu pai, José Araújo.
JOANA ARAÚJO