Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 76

Maria Rosaria Manieri Partindo da hipótese do estado de natureza e baseando a unidade do gênero humano na identidade da natureza de todos os homens, os jusnaturalistas emancipam o conceito de fraterni- dade da revelação cristã e afirmam dois princípios fundamen- tais: todos os homens são naturalmente iguais e, portanto, natu- ralmente livres. A estes princípios dão o caráter de direitos naturais, para cuja preservação os homens estabelecem entre si o contrato social. A teoria do contrato social e a dos direitos naturais abrem caminho para o advento da noção de fraternidade na cena política. 4 A ideia de contrato social introduz uma novidade de grande relevância evolutiva: a possibilidade de uma relação fraterna como escolha de razão e livre ato de reconhecimento recíproco. É a razão que impele os homens a sair do estado de natureza e a realizar formas de convivência civil. Quer se trate do estado de natureza hobbesiano, quer da estrutural fragilidade da sociabilidade humana, de que falam Locke e Kant, a fraternidade é uma escolha de razão. Na visão hobbesiana, os homens fazem tal escolha sob o impulso do medo por sua sobrevivência, que determina a neces- sidade racional de se fiar na autoridade absoluta do Leviatã. Para Hobbes, a fraternidade se realiza na comum cessão da liberdade de cada qual às mãos do soberano e, portanto, como ideia de coexistência racional com base na ameaça do uso centralizado da força por parte do Estado. Da consciência racional da precariedade que caracteriza as relações sociais de indivíduos naturalmente insociáveis, deriva, segundo Kant, a tarefa, que a razão pura prática confia aos homens no exercício de sua autonomia, de se darem uma Constituição 4 Borgetto, La notion de fraternité en droit public français, cit., p. 38. 74