Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 28
Maria Rosaria Manieri
A vontade do homem – reconhece Kant – é uma vontade
patológica, sujeita a impulsos, paixões, instintos egoístas, regida
pelo amor de si. Só o senso de dever e sua prática com base na
própria racionalidade e autonomia tornam o homem sociável e
transformam a natural insociabilidade humana em sociabili-
dade. A sociedade não é mais a grande família de Deus, em que
os homens são irmãos porque filhos do mesmo Pai, mas a comu-
nidade-problema, na qual a fraternidade é aquela que os homens
são chamados a construir na consciência da unicidade de todo
ser humano e da força, inclusive prática, de sua razão.
A fraternidade é a resposta, moral e política, à sociedade
dos indivíduos.
Na realidade, sob este aspecto não é convincente a afir-
mação pela qual a fraternité da Revolução Francesa representou
“só um sentimento, tão forte quanto se quiser, mas nada mais do
que um sentimento, vivido segundo dois registros, o cívico e o
universal”, nada mais do “uma paixão de comunhão”, que se
exauriu com o esgotamento da tensão revolucionária. 26
Lançada no coração do debate político pela Revolução Fran-
cesa, a ideia de fraternidade, de fato, é uma das ideias-chave a
partir das quais é possível ler a história moderna; ideias que mar-
caram eventos, definiram políticas, indicaram princípios norma-
tivos, guiaram revoluções. Ideia que teve menor sucesso no plano
político, jurídico e institucional em comparação com as de liber-
dade e igualdade, mas não certamente menor valor ético. Ideia de
conteúdo impreciso porque não define por si nenhum dos direitos
democráticos, mas sem a qual – reconhece John Rawls – perdem-
-se de vista os valores expressados por estes direitos. 27
26 F. Viola, La fraternità nel bene comune, Persona y Derecho, v. 49 (2003), p. 141.
27 J. Rawls, Una teoria della giustizia, Milão, Feltrinelli, 1984, p. 101.
26