Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 45

F10 - O que está actualmente a escrever ? Quais são , em matéria de escrita , os seus planos reveláveis ?

Aos noventa anos , só um insensato é que faz planos . Como dizia alguém já avançado em anos : “ Na minha idade , não sei se a banana que tenho ali na despensa terá tempo de amadurecer ”. Estou na idade de arrumar papelada , embora a arrumação não seja o meu forte . Vou preparando , para publicar , três volumes do meu diário , para juntar aos dois que já publiquei . E gostaria de reeditar os meus dois livros de poesia não satírica . Estão ambos esgotados , mesmo a segunda edição do primeiro . Juntaria ainda alguns poemas que tenho por aí . E vou escrevendo umas impertinências para o excelente Blog De Rerum Natura . Nele digo algumas coisas que algumas pessoas gostariam de dizer mas que , tendo o rabo entalado na universidade , como diz a minha excelsa amiga Otília Martins , não se atrevem a fazê-lo porque isso poria em risco a carreira . Na minha idade diz-se tudo : é o que pode chamar-se a coragem à beira do túmulo e Pirandello tem um conto bem saboroso à volta deste tipo de coragem . Mas tenho de ser justo para comigo : disse sempre o que quis dizer , em qualquer idade e em qualquer situação . Não precisei , para isso , de especial coragem : os grandes mestres que sempre admirei ensinaram-me que era assim que se devia fazer . é um perfeito disparate , porque a retórica é a sua indispensável oficina . Mas os surrealistas que , ao aproximarem perigosamente , coisas dificilmente aproximáveis , criaram algumas metáforas geniais e inesquecíveis ( para o caso , estou a lembrar-me de Dali e Aragon ), abriram , por outro lado , as portas ao arbitrário e ao absurdo . Por outro lado , o verso livre tornou-se o paraíso facilitista dos incautos , porque é muito mais difícil fazer um bom poema em verso livre do que em verso “ constrangido ”. E é muito mais difícil mesmerizar o leitor com verso livre do que com verso que aceita a “ ajuda ” do constrangimento . A minha amiga e admirada Teresa Rita Lopes faz belíssimos poemas em verso livre , mas não há muitos poetas que o consigam . O preço que se arriscam a pagar é não ficar um único verso deles no ouvido de leitores actuais e futuros . Eu sei que estas coisas não costumam dizer-se porque são antipáticas , mas reparem que não será por acaso que tanto poeta de nome na Inglaterra e na América contemporâneas ( grandes nomes da poesia moderna ) não dispensaram os provados recursos da mais antiga retórica . Um deles , um dos maiores da América , foi até ao ponto de dizer que fazer versos sem constrangimento é o mesmo que querer jogar ténis sem rede …
45