Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 44

44 poeta , ficcionista e admirável ensaísta , dizia isto que é muito lúcido : “ O meu leitor não é o que me lê . É o que me relê ( caso exista ). Um autor lido apenas uma vez não tem leitores , por mais retumbante que seja o seu sucesso .” Lendo mais de uma vez o mesmo livro , o leitor torna-se uma espécie de outro autor desse livro . Lêdo Ivo resumia esta asserção numa fórmula curta e fulgurante : “ Leitor : co-autor do texto .” François Mauriac , grande e inquietante romancista e penetrante leitor , dizia coisas muito parecidas : “ ' Diz-me o que lês e dir-te-ei quem és ' é verdade , mas eu conhecer-te-ei melhor se me disseres o que relês ”. Eu prefiro hoje reler La Chartreuse de Parme ou a Ana Karenina , a ir ler a última novidade literária . Embora não resista ao último William Boyd ou ao mais recentemente aparecido Philip Kerr ou ao sempre muito bom Phillip Roth . Antes de há pouco morrer , também não resistia nunca ao último policial do fulgurante , gozada e ironicamente erudito Robert B . Parker , brilhante e sedutor dialoguista , que herdou merecidamente o manto do grande Raymond Chandler . Mas acabo sempre por remergulhar nesses clássicos irresistíveis : Wilde , Shaw , Noel Coward , Pirandello , Tolstoi , Tcheckov , Ibsen , Bertrand Russell , Schopenhauer … por aí fora ! E confesso não ter muita pachorra para a ficção que por aí se faz , com poucas e raras excepções . Às vezes , em dias em que me sinto particularmente caturra , vem-me à memória o malvado Almada que ejaculava : “ Coragem , portugueses ! Só vos falta ter talento !”

F9 - O que resiste na poesia , mesmo que haja menos leitores ( que nunca terão sido numerosos )? O que torna o poema essencial ?
O poema , dizia um poeta inglês contemporâneo , é um uso especial que fazemos da linguagem , para explorarmos os nossos assombros e perplexidades . Essa linguagem tem , como virtudes , o ser concentrada ( dizer muito com poucas palavras ) , usar as palavras , muitas vezes , em sentido um pouco deslocado do sentido corrente (“ são as palavras de todos os dias e contudo não são as mesmas ”, dizia Claudel ), fazer um uso cauteloso das metáforas ( não fazendo “ aproximações ” arbitrárias , que tornem a metáfora só decifrável por quem a produziu ), usar , enfim , todos os recursos da retórica , que se tornam , nas mãos do poeta , grandes promotores de voo e não inibidores . O poeta do verso “ livre ” foge da arte poética como da peste : qualquer “ constrangimento ” que lhe seja imposto lhe parece ser uma conspiração contra a poesia . Lembre-se do que dizia Gide a respeito da arte em geral : “ A arte vive de constrangimento e morre de liberdade ”. O avião só consegue levantar voo , devido à resistência que o ar opõe à asa . Os recursos da retórica são constrangimentos que são feitos para promoverem o voo e não para impedi-lo . Chamar , depreciativamente , “ retórico ” a um poeta