Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 43

F6 - Afirmou recentemente , numa excelente entrevista que lhe fez Pedro Mexia para o “ Expresso ”, que se sentia europeu e africano . Vive ainda , tanto tempo depois , essa duplicidade ?

Como podia não viver ? Nasci em África , cresci lá , os primeiros conhecimentos e descobertas fi-los lá , vivi lá um total de 39 anos , casei-me lá com uma mulher inesquecível , tive lá duas filhas , fiz amizades duradouras , feri duros combates cívicos e meti-me em boas aventuras culturais , como esquecer tudo isso ? Não vivo esses tempos , de um modo doentiamente saudosista e estéril , mas estão dentro de mim , enriquecem-me e gosto de os reviver sadiamente e de lhes pagar tributo .
F7 - Mantém acesa a curiosidade relativamente a autores africanos contemporâneos ( de língua portuguesa e não só )? Como vê o presente e o futuro da Literatura Africana ?
A curiosidade , sim , essa ainda a mantenho . Ainda agora tenho andado a ler , entre outras coisas , um clássico que , imagine , nunca tinha chegado a ler , o nigeriano Chinua Achebe . Mais vale tarde do que nunca . Não tenho , porém , grande acesso ( fácil ) a esses autores . No que respeita a autores moçambicanos , vou tendo alguma informação útil , através de um excelente folhetim informativo semanal do meu bom amigo Álvaro Carmo Vaz , que me vai ajudando a não ficar totalmente desinformado . Quanto ao futuro dessas literaturas , há que esperar com paciência . Dizia Henry James que é preciso um bom bocado de História para produzir um bocadinho pequeno de literatura . Esperemos , pois . Já há gente de muito talento , mas os grandes dinossauros talvez demorem mais algum tempo a aparecer .
F8 - Procura ainda a novidade ou prefere o reencontro ? Que autores frequenta hoje com grande prazer ? E quais , das novas gerações , destacaria como valendo muito a pena ?
Na minha idade , no final de um longo percurso , mentiria se não dissesse que prefiro o reencontro . Quando um dia perguntaram ao grande Professor e notabilíssimo queirosiano , Ernesto Guerra da Cal , reformado e a viver , nessa altura , no Estoril , o que pensava de um livro acabado de sair , respondeu com saudável sinceridade : “ Na minha idade , eu não leio , apenas releio .” E tratava-se de um grande e omnívoro leitor , com uma cultura universal enormíssima e apetecidamente digerida . Quem sou eu , para fazer melhor do que ele ? O sempre oportuno Millôr Fernandes observava com muita pertinência : “ Em ciência , leio sempre os livros mais novos . Em literatura , os mais velhos .” Eu faço muito isso mesmo . Além do mais , os grandes autores merecem e precisam de ser relidos . O escritor brasileiro Lêdo Ivo , de quem fui amigo ( já morreu ) e de quem continuo a ser grande admirador , belo
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