Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 4

Exploradores do Invisível

José Pacheco
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« Essa luz brilha nas trevas , e as trevas não conseguiram apagá-la .»
João , 1:5
Quando decidimos assentar , para tema da Fluir número 7 , na frase « e Luz brilhou nas trevas », extraída a um versículo de São João , procurávamos apenas uma referência à luz , ou à luminosidade , que pudéssemos associar à fotografia ou ao cinema . Queríamos , neste número , dar um espaço e um relevo à fotografia , que a Fluir ainda não dera . [ Reparem na substância da luz que Elvira Sacramento captou numa imagem do exterior do Louvre ].
Depressa nos apercebemos do potencial do enunciado , não no seu sentido estritamente religioso , que não nos interessava como tema exclusivo ( para que não subsistam dúvidas ), mas simbólico e filosófico . A frase tem sido recuperada e reinterpretada pelos mais diversos autores não religiosos , de dramaturgos a poetas e letristas . A luz e as trevas constituem , evidentemente , metáforas antigas .
O mundo continua provavelmente ainda aí , mesmo quando mergulhado na obscuridade . A criança talvez se engane ou o adulto ensonado , que , acordando de súbito e levantando-se no quarto imerso na escuridão , sentem que tudo possa ter desaparecido : o adulto pensa , pelo menos , que a posição das coisas mudou , como se algum génio trocista lhe trocasse o Norte e o Sul , como se a porta se tivesse situado sempre noutro lado , como se a janela , para que não consegue agora dirigir-se , ficasse , antes , mais perto , ou mais à esquerda . Mas é a luz que parece devolver-nos esse mundo , com uma fixidez e uma definição , aliás mais aparentes do que certas . Tudo estava onde sempre esteve , escondido de nós . Suspiramos com a sensação de conforto readquirido .
Mas se há um acender que devolve , que dizer da « primeira iluminação », a luz que não devolve , mas mostra o que até então ignorávamos ? A da descoberta ? A do inicial frente-a-frente com o insuspeitado desconhecido ? Somos capazes de regressar , na memória , ao acto de iluminação inaugural , para nós , da música , ou da poesia ( ou do beijo , ou da pintura , ou de um pintor concreto , ou de um certo poeta ou de um poema que nos agarrou )? Da nossa primeira vez ?
Sem querer desviar-me demoradamente pelos caminhos da filosofia , mas não resistindo à referência ( que quero breve e discreta , e acabará , já sei , por escapar-me ao controlo ), gosto particularmente desta ideia em Platão : conhecer é reconhecer ; encontrar pela primeira vez nunca é encontrar pela primeira vez , é fazer luz