Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 34

pesada sobre a areia arrastada , e só descansou quando a madeira começou , por fim , a flutuar . Acariciou a barca , ao de leve , os fetos das ondas , a pele esgotada , a roupa , molhou os lábios mas não matou a sede , o sal não o permitia . Franziu o sobrolho com a claridade do dia e escalou a carcaça de madeira velha .

De um trago , despediu-se da terra . Acenou com a cabeça às espinhosas escarpas , às árvores de perder de vista , às amarras que largara ao relento , aos arbustos inundados de bagas , às mulheres da água – brigada responsável pela sua desastrosa sina –, à sua casa que já não existia , aos animais mansos e velozes , aos texugos , raposas e veados , ao grande vulcão e às muralhas de fogo . Seguiu pela maré até já não ser capaz de detectar o cume de lava . Mesmo ali , em alto-mar , o fogo assombrava-a e perseguia , faminto , os seus passos .
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