Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 16

O Vento

Ana Luísa Amaral
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Vinha de fora e não era monção , nem vento norte nem qualquer outro vento conhecido , vento que lhes dissesse podem lutar comigo , podem prever-me de quando em quando as rotas e por vezes até acautelar-me os crimes
Este era um novo vento sem dono e de outra aragem , sem deslocação de ar que se soubesse , mas podia , temeram , destruir muito mais que os outros ventos
E eles trancaram janelas e fronteiras e cumpriram aquilo que lhes fora ensinado : erguer muralhas contra o que voava mas era rente ao chão . Como podia um vento voar e rastejar , ser fome em movimento ?
Mas este vento nem se chamava vento , e eles não sabiam o seu nome . Era um vento selvagem e com asas , ele mesmo era asa e fogo , rija e frágil matéria , e tudo ao mesmo tempo
Por detrás das portadas , os mestres entre si trocavam coisas várias : saberes e lajes de cimento e gume para que os muros fossem mais opacos e chegassem mais alto , combatessem o vento que não tinha nome , e falavam de ardis sobre como afiar melhor os seus ensinamentos
Porque sabiam que este vento chegava por eles terem lançado as areias sobre as suas terras
E nele confundidos , vinham de longe os hóspedes trazidos nesse vento , donos de nada , e por muito que os muros se erguessem contra o vento , mais o vento se erguia , mais resistente e dúctil se afinava a matéria que o compunha
Não se sabe até quando o vento errou , errou de desacerto e vaguear por entre as ruas todas , errou sem rumo , mas com lume bastante para alumiar tudo , todos os aposentos das casas que encontrou
e fez arder , de vermelho insubmisso , os campos e as copas das árvores mais altas
E conta quem lá esteve , os filhos dos que tinham chegado com o vento , os filhos dos escravos por eles libertados ,