Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 14

14 daquele seu livro mas com este você desiludiume .» Ora essas críticas são o lado para que durmo melhor , porque as entendo sempre como elogios . Haverá escritores que iludem , eu por acaso prefiro escritores que desiludem . É o lado da literatura que mais me interessa : o da des / ilusão . Fazer rasgões na manta com que nos tentam tapar os olhos . Rasgões na cortina . E tentar dizer a verdade , sabendo que é apenas a nossa verdade , a do indivíduo que escreve e a do indivíduo que lê . Entendo a literatura , no seu melhor , como contraponto aos discursos dominantes , às narrativazinhas com que nos vendam os olhos , e nos vendem a guerra como paz , o mal como bem , o crime como serviço público , a destruição como construção , o regresso ao passado como aposta no futuro . Ora eu gosto – orgulho-me muito – de ser um escritor que , ano após ano , desilude . E um escritor que desaponta , sim , também passo a vida a ouvir isto : « Eu até gostava de si , mas agora desapontoume muito .» Ora bem : num tempo em que tantos apontam e dizem seguros da silva « É por ali , é por ali », eu acho que uma das razões de ser da literatura é desapontar . Até porque apontar é feio . Ou , pior ainda , bonitinho de mais .