Fluir - nº 7 - Abril 2021 | Page 13

Clareza em tempos sombrios . E eu próprio , intermitentemente , encontrar frases , ideias que me pareçam luminosas ou , pelo menos , ajudem a iluminar algo do caminho . Iluminar um pouco do caminho – é para isso que escrevo . É para isso que leio . E prefiro os que arriscam , os que tentam acrescentar um ponto , e por isso vão titubeantes tacteando no escuro em busca de luz – aos poltrões que , depois de encontrado o interruptor , aceleram o passo todos lampeiros e até troçam de quem arriscou / ousou ir à frente : « Caramba , o gajo parecia que ia a pisar ovos !» Não é apenas para isso ( iluminar , ser iluminado ) que convivo com os outros e , quotidianamente , lá os vou amando e detestando , adorando e aturando . A vida é mais do que a sempiterna luta entre luz e sombra . Para iluminar , ora pois , está cá a escrita , com a qual lido como leitor ou autor . Mas é também isso que faço , quando tenho sorte , com as pessoas que vou encontrando : ir sendo iluminado por elas . E ocasionalmente , sim , snif , também sombreado por outras . Há já alguns anos , o filósofo Diógenes – em tempo de números talvez seja mais fácil lembrá-lo como o n º 36 , 44 é o outro – estava sentado na rua a apanhar sol quando foi abordado por Alexandre o Grande , à época o homem mais poderoso da Terra . E Alexandre disse : « Ó Diógenes , és um grande filósofo , tenho imensa admiração por ti e etc . e tal , pede-me o que quiseres e eu to darei .» Ao que Diógenes respondeu : « Nada do que me possas dar me interessa , ó rei .» Mas , como é próprio dos Grandes insistirem , até porque não gostam de ser contrariados , Alexandre repetiu : « A sério , posso dar-te o que quiseres . Diz , que eu sou o rei , o imperador , eu tudo posso .» Aí Diógenes ( peço desculpa , o 36 ) lá respondeu : « Bem , grande rei , pá , com efeito há uma coisa que podes fazer por mim . É desviares-te que me estás a tapar o sol .»

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Deixarem de nos tapar o sol . Talvez seja o que , pedido com jeitinho , pudéssemos , nestes tempos em que o perigo já nem é a austeridade mas a 3 ª guerra mundial , aos Grandes do nosso mundo . E para isso serve – a mim pelo menos serve-me muito – a literatura . Para , à falta de melhor , usar a caneta para abrir rasgõezitos na manta astuciosamente baptizada de « Inevitável Realidade » com a qual , no fundo , nos querem é impedir de ver o céu , o sol e as outras estrelas . De viver sadiamente , em suma .
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E como nem sempre tenho graça no que digo ou sou suficientemente provocador , há leitores que às vezes vêm ter comigo a resmungar : « Gostei muito
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