Fluir nº 5 - junho 2020 - | Page 95

ela faz tudo o que ele quer. Aceito que ela me ame e isso deixa-a feliz, em troca faz o que lhe peço, dáme tudo o que tem. O Friedrich estava cada vez mais confiante, negar o que ele dizia só me tornaria frágil e ridículo, era verdade o que ele dizia. O amor é caro, mesmo vendendo isto tudo, a tua prima deve-me mais do que tem para dar, e é isso que ela vai fazer, vai vender isto, vai dar-me o dinheiro todo, ainda fica em dívida para comigo, o amor é caro, mas perdoo-lhe a dívida e vou-me embora. A minha prima ia ficar sem nada. Assim que eu desse lugar à Mónica, estaria tudo perdido. Mas não podia ficar aqui para sempre, não posso ficar aqui para sempre, a vida é dela, de nada serve vivermos uma vida toda mascarados. A cabeça a mil, como é que eu faço?, como é que eu faço?, como é que eu faço? A Mónica não vai desistir do Friedrich, ela ama-o, tem mesmo é que não desistir. Uma vida toda para nos cruzarmos com uma pessoa que amamos, isto se tivermos sorte, senão nem isso, encontramos a pessoa que nos serve, ela serve-nos mas o mais certo é não lhe servirmos nós, vamos deixá-la ir embora só por causa disso?, claro que não. O amor tem de ser como outro tráfico qualquer. Como é que eu faço?, como é que eu faço?, como é que eu faço? Deve-me mais do que tem para dar, disse ele. Era isso. Deve-me mais do que tem para dar. Acabou por ser ele a dar-me a deixa. Deve-me mais do que tem para dar. Tens razão, a minha prima deve-te mais do que tem para dar, muito mais do que imaginas. Parou, desdenhoso, como assim? A Mónica não é a dona disto. Desta vez, sim, deixei-o mesmo à rasca. Não é a única dona, quero eu dizer, somos sócios, percebes, uma parte de tudo isto é meu. O Friedrich quis saber a parte que me cabia. Cheguei-me a ele, triunfante, e segredei-lhe ao ouvido, o suficiente para que, em vez de teres tu a minha prima nas tuas mãos, ter-te eu nas minhas, os meus lábios a roçarem-lhe a pele, a respiração dele a desacertarse. Não tem mal que o Friedrich não preste. Desde que trate bem a Mónica, não tem mal. Proponho-te um negócio, disse-lhe, a felicidade dela depende de ti, mas a tua depende de mim, faz a minha prima feliz e cedo-lhe a minha parte. Teve de aceitar. Enquanto souber que tenho o que ele precisa vai fazer o que quero. Mostrar o todo mas entregar só parte, dar o suficiente mas não o bastante, deixar que fique sempre à espera do resto. Basta manter isto assim e o amor dura para sempre. A cabeça sossega, o corpo vai sossegando, ainda há luz lá fora, está tudo controlado, vai ficar tudo bem. 6. Mónica Truz truz. Quem é? Sou eu. Eu quem? O Friedrich vai voltar, tem de voltar, ainda mais agora com a Ana. Não a quis ver, eu sei. Quarto 205. Abriu-me a porta sem dar conta que eu a levava ao colo, embrulhada 95