o Friedrich, iam até ficar contentes por não o ter
deixado. Quero ajudar-te, disse eu. Porquê? É bom
ajudar os outros. Bom para quem?, tens avião? Não,
não tenho avião. Nem avião nem avioneta, sequer.
O Friedrich passou o verão a pilotar uma avioneta,
em vez de a elevar para o céu onde ela pertencia,
foi obrigado a voar rasteiro por cima das praias
para que os banhistas conseguissem ler a faixa que
se esticava atrás da cauda. Um dia não resistiu,
apontou a avioneta ao céu e foi logo castigado. Mas
não foi isso que o fez não voltar no dia seguinte,
pilotar era uma arte, tinha de se voar alto, bem alto,
servir propósitos maiores, aquilo era indigno, era
melhor não existir a existir assim. Não, não tenho
avião. Ajudar os outros é fazer o que eles te pedem,
não é? Acho que sim. Então vai-te embora, disseme
o Friedrich. Não me mexi, o chapéu-de-chuva
fechava uma cortina de água à nossa volta.
De repente, ele levantou-se, estou farto, vou para
casa. Afastou-se em direção à outra margem do rio.
Apressei-me, atrás dele. Pára de me seguir. Tenho
de ir contigo, não tens chapéu-de-chuva. Chamas a
isso chapéu-de-chuva?, isso não serve para nada, e
é inútil proteger da chuva o que a chuva molhou.
Começou a andar muito depressa. Corri para ele e
saltei-lhe para as cavalitas. Ele deixou-me estar
mas não parou. Diz-me que não sou feia, segredeilhe.
Feia como a noite escura. Era já noite escura e
era bela a noite escura. Diz, bela como a noite
escura. Feia, feia como a noite escura.
Mas começou a assobiar. Continuava a andar
comigo enganchada nele, o chapéu-de-chuva por
cima de nós. Para que é que continuas com isso na
mão?, foi ele que deu conta, já não tem pano
sequer, para além de que parou de chover. Olhei
para cima, sim, já não chovia e de tão tortas as
varetas tinham soltado o pano. Esse esqueleto não
serve para nada. Quis contrariá-lo, não, é bom, são
grossas as pingas que caem das varetas, entram
pela nuca, descem pelo meio das costas e fazem
arrepios, não gostas de arrepios?, arrepios é bom.
Ele pôs-me no chão, pensei que me fosse mandar
embora outra vez, ainda mais quando me voltou de
costas para ele. Em vez disso, meteu a mão por
baixo da minha camisa e refez com os dedos o
caminho das gotas de água. Estremeci. Arrepios, é
bom arrepios. Estás encharcada, disse ele, anda, eu
faço uma fogueira. Entrámos na mata, ele apontou
para uma tenda pequenina montada entre as
árvores e disse, é ali. Era ali, naquela tenda, que ele
morava. O Friedrich tinha gasto o dinheiro todo
para pagar o curso de aviador. Era o sonho dele,
voar. Aplicou-se e foi o melhor aluno. O melhor
piloto que alguma vez tinham visto, diziam os
professores. Mas não lhe servia de nada ter sido o
melhor aluno, quando o curso terminou não lhe
sobrava dinheiro nenhum e, sem dinheiro nem
nome de família, um diploma, mesmo do melhor
aluno, não servia de nada, ninguém lhe dava
emprego. Havia poucas vagas para pilotos e, de
cada vez que abria uma, era preciso dinheiro ou
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