e ser minimamente credível quando a nomeasse.
Foi preciso a Mónica inventar-me. E depois criarme.
Um dia em que os que aqui estavam já se
tinham barricado, em que já ninguém podia sair,
sair significava não voltar, tal era a guerra que
existia entre os que aqui dentro queriam guardar o
nenhum espaço que restava, e os outros que lá fora
faziam um cerco cada vez maior, esperando uma
oportunidade que lhes permitisse entrar, um dia
em que o pequeno paraíso que a Mónica queria
criar com o dinheiro que os deuses lhe tinham
dado se transformara num inferno, ocupado pelos
que precisavam sem poder servir os que
precisavam, nesse dia, a Mónica levantou a voz. O
barulho não deixou que ninguém a entendesse,
mas a surpresa calou todos. A Mónica pôde então
repetir baixinho o que tinha dito e fez-se ouvir.
Quero sair. Já não fazia nada aqui. Quero ir embora.
De repente, surgiu espaço onde nenhum espaço
havia, a Mónica andava e um corredor humano
abria-se à sua frente, foi-o atravessando sem saber
bem para onde estava a ir.
Voltei eu. Sou o Basílio, o primo da Mónica.
Pensavam que estava a brincar, o primo tinha sido
uma invenção, como é que podia estar aqui um
primo. Não alimentei conversas e fiz voz grossa, era
eu quem mandava e não entrava mais ninguém. Foi
o suficiente para que os que estavam fechados
aqui dentro não duvidassem da minha realidade.
Uma realidade improvável mas conveniente
é sempre melhor do que uma realidade confirmada
e incómoda. Comentavam entre eles que muitas
vezes aquilo que parece um milagre é apenas a
coincidência entre o desejo por uma coisa que já
existe mas não está manifesta e essa coisa
manifestar-se. Enredaram-se em conversas sobre
intuições, premonições e invocações, e não se
fizeram rogados em aclamar-me legítimo
representante da minha prima, sócio dela ou mais
ainda, único dono e senhor do café. Riam-se
satisfeitos ao verem o cerco dispersar-se,
aplaudiam com tanto entusiasmo, que em vez de
um bando de sem-abrigo mais pareciam o público
do antigo teatrinho, que esgotando por completo a
sala, tivesse acabado de assistir ao mais
extraordinário espetáculo das suas vidas. Agora
vocês. Primeiro ninguém percebeu o significado do
que eu estava a dizer. Repeti mais alto e mais forte,
agora vocês. Leva-se algum tempo a reconhecer um
inimigo em alguém que tenha sido, nem que seja
por instantes, nosso aliado, mas tenho a certeza
que desta vez foram muitos os que pelo menos
adivinharam o sentido do que eu dizia. Terão
achado que a melhor estratégia era fingir que não
entendiam, ninguém se mexeu, mas também
ninguém se atreveu a falar. Silêncio completo.
Desandem, desandem todos, gritei, e depois a
plenos pulmões, todos, ouviram? E para que não
houvesse dúvidas de que não estava a brincar nem
excetuava ninguém passeei-me por entre eles
olhando-os um por um nos olhos, e confirmando,
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