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Aconcheguei-os na mesma.
Um deles contou-me que também costumavam
derrubar os tijolos com que a senhoria manda
emparedar a porta e as janelas, e vir aqui para
dentro. Especialmente quando está frio como
agora. Quase todas as semanas a senhoria tinha de
mandar pôr tijolos novos, não admira que tenha
ficado contente por eu arrendar o espaço. Os semabrigo
também ficaram contentes. Ao princípio
não, pensaram que os ia pôr na rua, já que ia ter
aqui um café, mas depois perceberam que eu não
era capaz de fazer isso e a preocupação passoulhes,
havíamos de arranjar maneira de ficarmos
todos aqui dentro, eles, eu e os outros sem-abrigo
que entretanto tinham chegado. Ofereceram-se até
para ajudar a pôr isto como deve ser. Enquanto
fomos arranjando o espaço, foram aparecendo mais
sem-abrigo. A todos fui dizendo que sim, que
podiam comer da minha comida, que podiam
dormir sob o meu teto, sou lá eu capaz de ficar sem
fazer nada quando há gente à minha volta a pedir
coisas.
Porque é que o barulho não pára? Tenho medo.
Muito medo. O barulho é cada vez maior. Não pode
durar muito mais. Mas não sei do que tenho mais
medo, se do barulho lá fora, se disto aqui dentro.
Com licença, dão-me licença? Obrigada. Não faz
mal.
Quando começou a haver muita gente, os que estão
aqui há mais tempo passaram a querer que eu
pusesse na rua os que chegaram depois, diziam
que ajudaram mais na obra e que ganharam
direitos. Os que chegaram depois queriam o
contrário, que eu pusesse na rua os que estão aqui
há mais tempo, já tinham usufruído bastante e é
preciso dar lugar a outros, se as coisas más chegam
a todos, as boas também têm de chegar. Todos
perceberam que não sou capaz de fazer uma coisa
nem outra, e que ia continuar sem negar comida e
teto a quem quer que aparecesse. Decidiram então
tomar eles conta de tudo, independentemente da
minha vontade, não iam deixar entrar mais
ninguém. Mas continuavam a chegar mais e mais
sem-abrigo. De nada servia dizerem-lhes que não
havia lugar, tentavam forçar a entrada. Passou a
haver lutas entre os que chegavam e os que já aqui
estavam. A porta e as janelas foram reforçadas e
agora estamos barricados aqui dentro. Ninguém
entra mas também ninguém pode sair. Sair
significa não voltar, os que aqui ficam não o
permitirão, um lugar é uma coisa preciosa, um
pouco mais de espaço para todos, que o chão é
pequeno para nos deitarmos nele e dormirmos
todos ao mesmo tempo, é preciso fazermos turnos.
Lá fora o frio é cada vez maior, não pára de chegar
gente e mais gente. A porta e as janelas abanam
com a violência com que batem, não tarda vêm
abaixo. É ensurdecedor o barulho dos punhos