Fluir nº 5 - junho 2020 - | Page 63

conheci – o sportinguista fervoroso que a si mesmo se alcunhou de “Alvalade”. A todos eles devo o regresso à alegria. Creio que era Montaigne quem dizia não ser capaz de fazer o que quer que fosse sem alegria. Sei-o bem, hoje: sem alegria, até levantar-me da cama, pela manhã, seria um suplício, como chegou a sê-lo. O trabalho está aí, para demonstrá-lo: cinco livros nos últimos cinco anos, um sexto a sair (este a meias com a Catarina), contos em todo o tipo de publicações, centenas de crónicas com diferentes géneros de periodicidade, uma peça de teatro, um filme (ambos a meias com a Catarina também). Falo dos números, da quantidade, porque tudo o mais é com o leitor, não comigo. A mim, interessame sobretudo esta constatação: nunca trabalhei tanto como hoje. Quanto ao resto, já se sabe, não há sucesso: apenas graus de fracasso. Mas até por isso continuamos a investir contra o vento. Porque não saberíamos viver de outra maneira – em busca da possibilidade do Bem. Disso falam os dois volumes deste A Vida no Campo, espero. Da possibilidade do Bem. Da redescoberta da alegria, embora também da saudade dos que estão agora distantes, na cidade ainda amada. De quanto custa um quilo de arroz e do que os pobres continuam a precisar de fazer para assegurá-lo. Dos nomes desses pobres. Dos nomes das árvores que lhes sobreviverão. E de como tudo isso me permitiu voltar a fazer planos, hoje e – estou agora convicto – até o último dia da minha vida. Quem não acredite em segundas oportunidades, pois aí tem. Talvez de mais nada fale este diário, afinal: de uma segunda oportunidade. 63