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Também a ele devemos este privilégio, na verdade:
ao progresso.
Hoje, com a minha mulher e os meus cães, com o
meu jardim e o meu pomar, com os meus livros e os
meus leitores, com os meus amigos – hoje, sou um
homem feliz. Quando é que eu teria usado em
público essas palavras, “um homem feliz”, nos
tempos de Lisboa? Mesmo que fosse realmente
feliz: que vergonha teria sido usar tais termos –
que falta de gosto, que irresponsabilidade...
Além do mais, desde quando a felicidade produziu
literatura? Talvez nunca, com efeito. Acontece que
literatura é memória. E eu conservo a memória da
infelicidade e da solidão. Conservo as impressões,
conservo as histórias, conservo as personagens,
conservo os lugares. Sobre eles escrevo também, à
distância no espaço e no tempo. A distância
tornou-se o mais negligenciado dos bens, mas
nunca para um escritor. Inclusive – se calhar até
principalmente – para um escritor a quem continua
a acalentar a ideia de que o esperam noutro lugar
(como um dia, tornando a partir, o acalentará a
ideia de que o esperaram no lugar actual).
O regresso a casa. Agora que torno a pensar nele,
talvez já nem seja bem um tema, e sim uma
linguagem. Não creio que tenha esgotado ainda a
minha relação com ela. Mas, entretanto, celebro
este prémio porque é meu e também porque é dos
Açores. Porque distingue um livro escrito por um
açoriano, sobre os Açores, nos Açores.
Há mais de duas décadas que a literatura das
minhas ilhas, que tantos prosadores e poetas e
ensaístas deram a Portugal e à lusofonia, não
tinham o privilégio de integrar o palmarés destes
galardões. Por isso, se me permitem, levo este
comigo e partilho-o com os meus camaradas e
amigos, vivos e mortos, a quem ficámos a dever (ou
continuamos a dever) reconhecimentos como este
que agora me dão a mim.
Romancistas como Daniel de Sá, Álamo Oliveira ou
Madalena Férin; poetas como Emanuel Félix,
Urbano Bettencourt ou Emanuel Jorge Botelho;
diaristas como Fernando Aires, ensaístas como
Vamberto Freitas e tantos, tantos outros criadores
(alguns muito mais velhos, outros até já mais
jovens do que eu) de que Antero, Nemésio, Natália,
João de Melo ou Onésimo Teotónio Almeida
ficaram – aliás, com justiça – como os rostos mais
visíveis: a todos eles devemos tanto a definição de
uma identidade açoriana como o contributo das
ilhas para o inestimável acervo da literatura
portuguesa.
Partilho este prémio com eles e partilho-o com os
outros também, os não escritores: todos os
açorianos, e em particular os homens e mulheres
que desfilam nos dois volumes deste diário que
aqui é distinguido. Os que desfilam ainda vivos, os
que desfilam já mortos e os que, tendo desfilado
vivos, passaram entretanto de uma categoria à
outra, como ainda há dias aconteceu com Hermínio
Machado, o taxista mais asseado que alguma vez