Milhares de teorias e filosofias
(quatro textos de Fernando Pessoa em tradução)
Jerónimo Pizarro (Universidade de Los Andes)
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Talvez fosse difícil apresentar Fernando Pessoa
como um filósofo, mas não como um escritor
estimulado pela filosofia que, ao longo da sua vida,
realizou incontáveis incursões filosóficas. Pessoa
não criou um sistema — o próprio sensacionismo
pretendia ser um sistema de sistemas — nem se
afastou de outras práticas, como a literatura, para
filosofar; pelo contrário, dividindo-se em muitas
vozes, estabeleceu pontos constantes de contacto
entre a literatura e a filosofia. Esta última pode
encontrar-se nos textos teóricos e mais
programáticos de António Mora, mas também na
poesia de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de
Campos, bem como em muitos textos ortónimos.
Pessoa dotou a filosofia de uma plasticidade
especial — como Antonio Machado ou Jorge Luis
Borges —, por a tornar menos monocórdica e autoreferencial,
e por a forjar especialmente para uma
personagem, ou seja, para a verdade dessa
personagem. A filosofia de Caeiro não é a de Reis,
por exemplo, nem a de Pessoa. Não existe
necessariamente uma unidade filosófica, mas sim
uma multiplicidade.
Para contribuir para o estudo das incursões
filosóficas de Pessoa, nesta secção introduzo,
transcrevo, traduzo e ofereço ilustrações de quatro
dos seus escritos. Os textos escolhidos poderiam
ser muitos mais, mas estes são suficientes para
captar o interesse de Pessoa pela filosofia. Os
primeiros textos são de natureza mais
autobiográfica; o terceiro tem um carácter mais
abstracto; e o último é abertamente ficcional. Não
se incluem artigos críticos mais conhecidos, como
«O que é metafísica» (que começa com «Na
opinião de Fernando Pessoa, expressa no ensaio
“Athena”, a filosofia — isto é, a metafísica — não é
uma ciência, mas uma arte»), nem poemas famosos
como «Tabacaria», cujos versos entrelaçam poesia
e metafísica («Estou hoje dividido entre a lealdade
que devo | À Tabacaria do outro lado da rua, como
coisa real por fora, | E a sensação de que tudo é
sonho, como algo real por dentro.»)
O primeiro escrito foi publicado, juntamente com
outras «notas autobiográficas e de autognose», em
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (1966),
datado de «1910?», embora talvez vez seja
anterior e mais próximo dos anos em que Pessoa
passou pelo Curso Superior de Letras em Lisboa e
teve aulas de filosofia (1905-1907).
O texto está em inglês, a língua predominante até
meados de 1908, e a sua caligrafia corresponde à
de outros escritos da chamada «terceira»
adolescência de Pessoa, que passou em Lisboa,
após o seu regresso da África do Sul, em 1905.
Uma das principais ideias do texto, «descortinar no
imperceptível, através do que é diminuto, a alma
poética do universo», evoca uma «ciência» que
Pessoa chamou de «microsofia» e definiu como «a
ciência do diminuto»; esta incluiria várias
pequenas ciências que interessaram ao jovem
escritor, entre as quais a frenologia, a fisionomia, a
grafologia e a quirologia (ver Escritos sobre Génio