Entrevista a Manuel S. Fonseca
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F1. A edição em Portugal compensa, ou é um
esforço vão, ou obriga a mentir-se a si mesmo?
Compensou a Ulisses ter ido a Tróia, ter sido cativo
dos Ciclopes, amarrar-se a um mastro para escutar
a voz Teresa Salgueiro das sereias? Eis a razão pela
qual ando nisto, voltar de consciência tranquila a
reencontrar Penélope todas as noites e ganhar um
dia a improvável imortalidade. É o que se leva da
caverna editorial, que dividendos, viste-os – em 14
anos, zerinho, zero euros!
F2. Se pudesse escolher, teria preferido ser um
editor no estrangeiro, ou continuaria a sê-lo entre
nós?
Mal deixei de gatinhar, tinha eu cinco aninhos,
deslarguei-me deste jardim à beira Atlântico
plantado. Quis ser um Europeu errante em África.
Voltei, com o rabo entre as pernas e um queixume
brando. Seria ingrato negar agora, como Pedro três
vezes a Cristo, a Pátria que me voltou a abrir os
braços. Até porque houve um erro em que nunca
laborei: nunca desertei da língua portuguesa em
que edito. Essa língua é o fio de Teseu, e um
bocadinho de tesão, que me leva por este
borgesiano labirinto de falas, escritas, livros,
babélicas estantes, unindo o miúdo que gatinhava
a esta terceira idade em que agora moro. Não
saberia estar de pé em nenhuma outra língua.
F3. E o que se faz é sobretudo apostar no
garantido, ou é possível dar a conhecer obras
novas?
Mais do que apostar, quis inventar. No melhorzinho
que porventura tenha feito estão alguns livros que
inventei. Inventar um livro para Agustina juntandoa
a Paula Rego, inventar com a Dona Mécia um livro
de um Sena de escárnio e mal dizer
involuntariamente ilustrado pelo próprio, atribuir a
Pessoa o seu As Flores do Mal, inventar nos Livros
Amarelos a rara, ou talvez única, colecção
comparativa do mundo. E se os deuses deixarem
que eu tenha descoberto um poeta – peço-vos que
leiam Eugénia de Vasconcellos e logo João Moita –
um filósofo, um romancista, aí está o que me poria
de debruçado Narciso sobre o primeiro charco de
água num primaveril dia de chuva.
F4. Considera-se um escritor que, paralelamente
edita, ou um editor que, por vezes, também se
quer dedicar à escrita?
Eu desconsidero-me. Já se viu pelas respostas
anteriores que deambulo como gado transumante
pela pastagem editorial. A escrita é uma leveza
nefelibata, que um livro de devoção, tantas vezes
lido em voz alta pela minha mãe, Alice Amália,
ainda hoje me inspira. Eu sou um caso perdido de
derrame melodramático, empolgam-me histórias
de mártires, de barcos arrebatados pelas