Ando pela casa com as mãos abertas diante do
corpo, à procura. Preciso de atear qualquer coisa.
Penso nos rituais antigos do bolo e da vela e do
fumo que comunga com os deuses e quero um
gesto simbólico. Uma oferenda a uma deusa por
nomear. Garantir que desta vez acaba mesmo.
Procuro uma imagem tua, ver-te-ei arder como uma
adolescente despeitada, mas não tenho uma única
fotografia. Estão todas no telemóvel. Queimá-lo?
Não, pouso tudo no chão da varanda e queimo os
bilhetes da nossa primeira viagem de avião. Soltase
um fumo tetro e alto que me faz tossir. Penso
num desejo, penso em vários, o meu desejar
contradiz-se. Oxalá soubesse o que pedir.
- Só se concretiza se apagares todas de um só sopro.
Ele arregala os olhos às três velas do bolo.
Cantamos. As palmas deixam-no excitado mas
assustado. Tu inclinas o corpo dele e incita-lo a
soprar, mas ele não governa ainda o sei próprio
fôlego. É a mãe que as sopra numa retaguarda
certeira. Os arabescos do fumo viajam numa
vertical: eu conheço esta linha. Procuro-te. Os
nossos olhos encontram-se. O teu filho pequeno
trinca uma vela e pede um desejo. O fumo sobe.
Olhamos o céu.
O teu filho mais novo faz anos e o meu nome
aparece entre os convidados. Já tinha estado à tua
porta mas nunca tinha entrado em tua casa. Está
imensa gente, a casa é linda: isto és tu por dentro.
Ao procurar uma casa-de-banho faço por me perder
pelos quartos, imiscuo-me nas entranhas da vossa
rotina. Molduras, memórias, património. Penso
outra vez na Amazónia.
Reunimo-nos no jardim, junto à piscina, para cantar
os «Parabéns». O teu filho é adorável. Falas-lhe
com uma ternura quente que nunca tinha visto em
ti. Explicas como se usa a vela para pedir um
desejo. Dizes:
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