Faço das notícias espectáculos circenses. O circo
dos telejornais entra nas casas nas horas certas de
tantas incertezas.
Atirados aos leões, os que me ouvem nem sequer
tentam defender-se. São gladiadores mansos,
obedientes, a quem ensinaram a acreditar no que
quer que seja desde que carimbado pelos media,
onde tenho lugar marcado.
Gosto da anorexia de pensamento. Daquela
magreza doentia dos que pagam para não pensar,
para não ver, para não sentir. Daqueles que se
deixam embalar pelo canto das sereias, dos que se
entregam sem resistência, sem crítica, sem
reflexão. Gosto.
São-me oxigénio neste campo concentracionário
da opinião feita.
E também gosto da gula dos que papam lixo e da
forma alarve como me aplaudem quando surjo de
braço dado com tudo quanto é fácil, menor,
vergonhosamente pimba, desbragadamente
obsceno, cego e simplório, medonho e medíocre.
Gosto.
Tenho muitas roupagens. Já me vesti de boatos,
daqueles que incendeiam multidões, já me fardei
de general a apelar à guerra e usei o fato de
ministro a justificar decisões. Frequento os
tribunais como se fossem a minha casa, conheçolhes
os cantos e tanto uso beca como toga.
Sou invisível quando é necessário ser invisível. Mas
também apresento provas se for necessário
apresentar provas quando sou testemunha
credível, daquelas que ninguém ousa contraditar.
Há momentos em que desatino. Há momentos em
que, cansada, me resguardo. Clandestina, sem
ousar sequer respirar, vejo multidões libertas,
cheias de cor e garra, pedaços de vida a ansiar, a
fazer revoluções, a cantar canções de vitórias
improváveis, ou a velar os seus mortos com olhos
de ira. Aí, nesses tempos quase sempre breves,
tenho calafrios. Nesses momentos rápidos
resguardo-me e espero. Os mandadores hão-de
chamar-me quando de mim necessitarem.
Faço leis para melhor me compor. Abrigo-me
muitas vezes nos compêndios de História. Arrancolhes
algumas páginas e escrevo-lhes outras, a
incensar bravuras e heroísmos.
Sou esquecimento e memória inventada. Sou
desmemória consciente. Sou vazio. Sou só
presente sem passado nem futuro, sou momento
que já foi, sem glória, sem História e sem luz.
Louca. Sou louca e algoz.
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