Não era uma vez e era
José Dias de Souza
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ERA UMA VEZ um macaco pendurado num galho.
Viviam numa floresta. O galho era um bocado de
uma árvore, e era também um bocado da floresta.
O macaco vivia ali, na floresta, e não numa loja de
animais. Se estivesse em trânsito numa loja de
animais, estaria à venda, e não para oferta, e muito
se ofenderia se não o comprassem.
Macaco e galho não podiam viver um sem o outro,
como mais adiante se perceberá. O galho era alto e
o macaco pequenino, mas o macaco pequenino
esgalhava o galho alto como se fosse ele um
grande macaco e o galho um mero pauzinho,
incapaz de magoar alguém e insuficente para fazer
uma fogueira grande. Estavam bem um para o
outro, eram o espelho um do outro.
Um dia, já aborrecido de ser esgalhado, subido e
descido vezes sem conta, o galho alto perguntou
ao macaco pequenino:
- Por que sobes por mim acima? Não podias ficar lá
em baixo?
O macaco sentiu-se traído, ou apenas perplexo.
Estavam havia tanto tempo juntos que a pergunta
lhe pareceu incompreensível. Pensou numa
resposta conveniente, que não azedasse a alegre
companhia que faziam um ao outro, mas não a
achou. Por vezes dava por si sem as palavras
convenientes para não ser infiel ao que gostaria de
ter dito.
- Não dizes nada?, insistiu o galho, abanando
levemente as folhas dos seus ramos. Uma brisa
súbita acabava de o visitar.
Nesse momento, fez-se um nevoeiro na cabeça do
macaco. Um nevoeiro que nenhum sol bem
disposto conseguisse dissipiar antes do divórcio e
da partilhas dos bens, o carro e a casa, o frigorífico
e a retrete. Havia sempre tanta tralha para
inventariar numa hora desagradável dessas.
- Que queres tu que te responda?, respondeu o
macaco pequenino. - Diz-me o que queres ouvir e
já me ouvirás dizer-to.
O macaco era esperto, tão esperto que às vezes
tinha vergonha das coisas que dizia ou não chegava
a dizer. O galho alto estremeceu, e o macaco
pequenino saltou para um galho vizinho, no qual o
macaco pequenino parecia agora um gigante.
Por um instante, o galho alto sentiu-se aliviado,
estava livre daquela companhia que subindo e
descendo por ele o deixava por vezes exasperado.
E logo já não: o macaco trocara-o por aquele galho
absurdamente pequeno, não podia ser, o macaco
pertencia-lhe a ele, galho grande, e não àquela
miniatura onde o macaco pequenino parecia um
gigante. E gritou para o macaco pequenino:
- Que estás a fazer aí, macacão? Não sabes que o
teu lugar é aqui, a trepar por mim acima?