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porque dentro dos olhos dos mortos a luz já não
tem nada a desvendar.
Num dia de Inverno de 1905, um guarda que
vigiava o Alte Pinakothek de Munique, notou que
uma das pinturas do museu havia mudado desde a
última vez que a vira. Os olhos do auto-retrato de
Dürer, os mais famosos olhos da arte alemã, haviam
perdido o seu carácter intenso e penetrante. Com a
ajuda de um alfinete, alguém havia rasgado
ferozmente as pupilas do retrato. Alguém invisível,
com uma arma invisível, tentou roubar os olhos de
Dürer. Entre os secos relatórios do Alte Pinakothek,
os especialistas, curadores, conservadores e
restauradores escreveram curiosamente: “Porquê
os olhos? Por causa da forma como ele olhava o
agressor, é claro. Por causa do penetrante e
alarmante olhar de Dürer”. O auto-retrato deste
homem, com cabelos prodigiosos e olhos
inquietantes, foi beijado, adorado, atacado,
carregado nas ruas e montado num altar, como se
de um ícone religioso se tratasse. Foi acusado de
sacrilégio e de narcisismo. Homens e mulheres
amaram-no como se fosse um amante e a escritora
Bettina Von Arnim pediu uma cópia da obra que a
acompanhava para fins pessoais.
Ao longo da história, foram milhares os olhos
arrancados a pinturas, frescos, relevos e esculturas.
Que forma melhor de privar uma imagem da sua
vida do que agredindo os órgãos que dão mais
sentido à sua vivacidade? Se não me vês, não me
podes tocar. Atacar imagens como se de pessoas se
tratasse soa a algo herdado do mais primitivo dos
instintos. No entanto, a forma como as imagens
operam em nós tem muito mais de emocional e
ancestral do que de racional e contemporâneo. De
outra forma, porque carregaríamos nós imagens de
pessoas amadas nas carteiras e telemóveis? Porque
beijaríamos retratos?
“Uma imagem não é mais responsável por abusos
supersticiosos do que uma arma por um
assassinato”, escreveu Dürer. Mas a forma como as
imagens nos perturbam, emocionam e levam
algumas pessoas à loucura de as destruir, provam
exactamente o contrário.
Entre 1977 e 2006, o alemão Hans-Joachim
Bohlmann vandalizou mais de 50 pinturas. Entre
estas estão obras de Rubens, Klee, Willem Drost,
Dürer e Bartholomeus Van der Helst. Em quase
todos os ataques, Bohlmann espalhou ácido
sulfúrico sobre os rostos retratados. Bohlmaan
sofria de um distúrbio de personalidade desde
criança e aos 16 anos voluntariou-se para um
tratamento de choques elétricos na universidade
de Kiel. Mais tarde, Bohlmann é submetido a uma
lobotomia cujo o resultado foi a diminuição da sua
capacidade cognitiva. Bohlmann e a mulher tinham
por prática visitarem museus juntos. Mas um dia,
enquanto limpava as janelas da casa, a mulher de
Bohlmann cai e morre.