Fluir nº 5 - junho 2020 - | Page 19

não creio nisto. Caeiro devia estar certo e ter razão, ainda nos pontos em que a não tivesse. De resto, esta conversa teve um grande resultado. Foi nella que o Antonio Mora bebeu a inspiração para um dos capitulos mais assombrosos dos seus Prolegomenos – o capitulo sobre a idéa de Realidade. Em todo o decurso da conversa, foi o Antonio Mora o unico que não disse nada. Limitou-se a ouvir com os olhos parados para dentro as idéas que se tinham estado a dizer. As idéas do meu mestre Caeiro, expostas nesta conversa com o atabalhoamento intellectual do instincto, e, portanto de um modo forçosamente impreciso e contradictorio, foram convertidas, nos Prolegomenos, num systema coherente e logico. Não pretendo diminuir o valor realissimo de Antonio Mora. Mas, assim como a base de todo o seu systema philosophico nasceu, segundo elle mesmo o diz com orgulho abstracto, da simples phrase de Caeiro, “A Natureza é partes sem um todo”, assim uma parte d'esse systema – o maravilhoso conceito da Realidade como “dimensão”, e o conceito derivado de “graus de realidade” – nasceu precisamente d'esta conversa. O seu a seu dono, e tudo ao meu mestre Caeiro. 25/2/1931. (BNP/E3, 71A-41 a 45) 19