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encontrou qualquer referência a este texto (o que
parece pouco credível); ou talvez porque este
último se ocupava de pintura e escultura, duas
artes que Pessoa nunca elogiou muito (uma
hipótese que parece mais credível).
Em todo o caso, quando Boccioni se refere à
«compenetração sintética de planos», podemos
pensar no cubismo literário e, em particular, no
interseccionismo, e quando defende o «dinamismo
universal» e escreve que a sua síntese «se baseia
na sensação», podemos evocar, precisamente, o
sensacionismo (a partir da tradução espanhola, cujo
título é Estética y arte futuristas, Barcelona:
Acantilado, 2004, pp. 45 e 85). O sensacionismo
ideado por Pessoa baseia-se também no
«dinamismo universal», mas coloca especial ênfase
no conceito filosófico de multiplicidade.
[Toda a tendencia da arte
tem sido intellectualizar a sensação]
Toda a tendencia da arte tem sido intellectualizar a
sensação ou o sentimento. Propomo-nos inverter
este processo, e sensacionar a intelligencia. Em vez
de partirmos da sensação, partimos da idéa; em vez
de empregarmos a intelligencia como mediador
plastico, empregamos a sensação.
De ahi o character absolutamente frio e
intellectual da base da nossa arte. A emoção é em
nós, não o fundo da nossa inspiração, mas o
processo artistico d'ella. (O symbolismo foi apenas
uma obsessão musical. O futurismo não passa, em
literatura, de um phenomeno typographico.)
A arte é uma mentira que suggere uma verdade.
A verdade, porém, é apenas o conceito que
fazemos da objectividade.
A obra de arte é portanto uma mentira com
character objectivo.
As characteristicas da objectividade são (1) a
multiplicidade, porque, ao passo que me sinto Um,
sinto o universo como Muitos; (2) a independencia
da minha personalidade, porque sinto que domino
em mim, mas não nas cousas; (3) a fatalidade,
porque, comquanto em minha consciencia de mim
me sinto livre, me sinto compellido como membro
do Universo e ao Universo fóra de mim, sinto-o
escravo de leis immutaveis. Bem sei que estas
minhas impressões são falsas – que eu nem sou
uno, nem sou livre, nem domino em mim; como,
porém, se trata de uma sensação, não procuramos a
verdade além d'ella.
(BNP/E3, 88-15)