esistência ou sequer de vontade, é a ideia de que o
trabalho que fazem em benefício de outros pode
ser feito em benefício próprio, acham que se
prejudicam por trabalharem para outros. Estão
enganados, o mais importante é o trabalho ser
gratificante, e o trabalho só é gratificante se for
produtivo, se conseguirmos ver o fruto depois de
plantar a árvore. Mas poucos são os que por si só
sabem plantar um arbusto, quanto mais fazer com
que uma árvore cresça e que um dia dê fruto. É
preciso sabedoria, organização, disciplina. É
preciso delegar em quem as tenha e as saiba impor.
… cinquenta e um, cinquenta e dois, cinquenta e
três, cinquenta e cinco, e sete, sessenta, e dois, e
cinco, sete, sessenta e nove, setenta e um, setenta
e dois, setenta e cinco. É preciso pôr uma ordem
nisto. Assim perde-se espaço e tempo. Contar e
recontar caixotes, arrumar e rearrumar. Todos
iguais. E dentro dos caixotes, caixas, todas iguais
também, e dentro das caixas, caixinhas, e nas
caixinhas balas. Balas e não bolos como os que o
Mil-folhas continua a fazer na fábrica antiga. Os
bolos não precisam de armazéns, comem-se e
pronto. As balas é que duram para sempre. Podem
esperar aqui que a guerra comece e que o preço
delas dispare. Há espaço e há tempo para esperar.
Quando a guerra começar, a mercadoria escoa-se
num instante, os caixotes terão de chegar aqui a
um ritmo maior, na frente de batalha os soldados
não podem ficar sem balas, a fábrica terá de passar
a funcionar dia e noite e os trabalhadores
trabalharão mais e mais depressa, são eles que
mantêm vivos os soldados na frente de batalha,
nas mãos dos trabalhadores da fábrica está a
diferença entre os soldados matarem e serem
mortos, as balas que os trabalhadores põem nas
caixinhas precisam de entrar no corpo do inimigo
antes que o inimigo meta uma bala no corpo do
soldado. Uma bala igual às que estão nas caixinhas,
dentro das caixas destes caixotes, tão igual que
pode até ser uma bala de uma caixinha de um
destes caixotes. Porque nós não temos inimigos,
produzimos balas, só isso. Para que os soldados
não morram indefesos na frente de batalha. Um
soldado de um dos lados da trincheira é igual a
outro soldado do outro lado, ambos querem viver, e
por isso matam. Na frente de batalha mais
importante do que os ideais que cada um defende
ou do que os ideais que outros os mandam
defender, é a vida de cada um. É nessa vontade de
se agarrar à vida que o soldado fica ligado ao
trabalhador que fabrica a bala com que ele se
defende matando, e instantes depois, a bala
disparada, ligam-se ambos ao soldado que essa
bala vai fazer tombar do outro lado. Vidas de
desconhecidos unidas de forma brutal, como só o
homem é capaz, pelo trajeto de uma bala. Por isso,
uma fábrica de balas é a mais humana de todas as
fábricas.
Quando a guerra começar a sério, o preço das balas
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