Fluir nº 5 - junho 2020 - | 页面 103

esistência ou sequer de vontade, é a ideia de que o trabalho que fazem em benefício de outros pode ser feito em benefício próprio, acham que se prejudicam por trabalharem para outros. Estão enganados, o mais importante é o trabalho ser gratificante, e o trabalho só é gratificante se for produtivo, se conseguirmos ver o fruto depois de plantar a árvore. Mas poucos são os que por si só sabem plantar um arbusto, quanto mais fazer com que uma árvore cresça e que um dia dê fruto. É preciso sabedoria, organização, disciplina. É preciso delegar em quem as tenha e as saiba impor. … cinquenta e um, cinquenta e dois, cinquenta e três, cinquenta e cinco, e sete, sessenta, e dois, e cinco, sete, sessenta e nove, setenta e um, setenta e dois, setenta e cinco. É preciso pôr uma ordem nisto. Assim perde-se espaço e tempo. Contar e recontar caixotes, arrumar e rearrumar. Todos iguais. E dentro dos caixotes, caixas, todas iguais também, e dentro das caixas, caixinhas, e nas caixinhas balas. Balas e não bolos como os que o Mil-folhas continua a fazer na fábrica antiga. Os bolos não precisam de armazéns, comem-se e pronto. As balas é que duram para sempre. Podem esperar aqui que a guerra comece e que o preço delas dispare. Há espaço e há tempo para esperar. Quando a guerra começar, a mercadoria escoa-se num instante, os caixotes terão de chegar aqui a um ritmo maior, na frente de batalha os soldados não podem ficar sem balas, a fábrica terá de passar a funcionar dia e noite e os trabalhadores trabalharão mais e mais depressa, são eles que mantêm vivos os soldados na frente de batalha, nas mãos dos trabalhadores da fábrica está a diferença entre os soldados matarem e serem mortos, as balas que os trabalhadores põem nas caixinhas precisam de entrar no corpo do inimigo antes que o inimigo meta uma bala no corpo do soldado. Uma bala igual às que estão nas caixinhas, dentro das caixas destes caixotes, tão igual que pode até ser uma bala de uma caixinha de um destes caixotes. Porque nós não temos inimigos, produzimos balas, só isso. Para que os soldados não morram indefesos na frente de batalha. Um soldado de um dos lados da trincheira é igual a outro soldado do outro lado, ambos querem viver, e por isso matam. Na frente de batalha mais importante do que os ideais que cada um defende ou do que os ideais que outros os mandam defender, é a vida de cada um. É nessa vontade de se agarrar à vida que o soldado fica ligado ao trabalhador que fabrica a bala com que ele se defende matando, e instantes depois, a bala disparada, ligam-se ambos ao soldado que essa bala vai fazer tombar do outro lado. Vidas de desconhecidos unidas de forma brutal, como só o homem é capaz, pelo trajeto de uma bala. Por isso, uma fábrica de balas é a mais humana de todas as fábricas. Quando a guerra começar a sério, o preço das balas 103