Fluir nº 5 - junho 2020 - | Page 102

102 tirarem impressões digitais, para fazerem isto e aquilo. O concurso para piloto estava perdido, mas ele não desistia de conseguir reaver o dinheiro, mais cedo ou mais tarde abririam outro concurso, se os miseráveis se estão a revoltar no norte como o Canivetes garante, falta pouco para a guerra começar e vão ser precisos mais pilotos. A polícia foi respondendo que sim a tudo o que o Friedrich pedia, mas não ligava nenhuma, devia achar a história mal contada, o Friedrich metia os pés pelas mãos quando tentava explicar porque é que tinha tanto dinheiro num envelope e como é que o tinha conseguido. O único vestígio de um possível roubo era a porta forçada, mas muitas das portas da pensão não estão em bom estado, não é fácil deslindar um crime cometido numa pensão de um bairro pobre como este, os estragos que se acumulam com o tempo não são muito diferentes dos que um crime pode originar, depressa se desiste de apurar o que quer que seja. Depois da conversa que teve comigo no carro, o Mil-folhas parecia outro, mas o jantar com a Mónica fez mesmo dele um homem novo. No final, pegou na mão direita da minha prima e deslizou-lhe o anel cheio de diamantes pelo dedo. Ela deixou ficar a mão na mão dele e o Mil-folhas começou a falar em casamento, em pôr a fábrica nova a funcionar, planos e mais planos. No dia seguinte voltei. Era preciso tratar do futuro como deve ser. Foi o próprio Mil-folhas que me convidou para gerente da fábrica nova e, quando lhe falei em sociedade, aceitou logo, só exigiu cinquentacinquenta para ninguém mandar em ninguém. Concordei e dei-lhe pouco mais de metade do dinheiro que havia no envelope que trouxe do quarto da pensão. O resto guardo-o para juntar ao lucro que for tendo, até ter o suficiente para abrir uma fábrica só minha, não é bom depender de ninguém. O Mil-folhas não podia estar mais contente. Com a Mónica e comigo. A produção da antiga fábrica de bolos não se compara com a que consigo na fábrica nova. É verdade que são coisas diferentes, mas o Mil-folhas não pode ter dúvidas, as medidas que impus na fábrica nova só têm vantagens, e tanto não tem dúvidas que as adotou na fábrica antiga. É melhor assim, senão os trabalhadores de uma iam considerar-se prejudicados em relação aos da outra e podia haver problemas. Trabalhadores descontentes só criam complicações e uma fábrica não funciona sem trabalhadores. Sentindo-se tratados de forma igual, todos aceitam pacificamente medidas mais duras, os tempos de miséria servem mais do que justificação para que tenham passado a ganhar menos e a trabalhar mais. As pausas e os dias de férias também foram diminuídos. Os homens podem trabalhar bastante mais do que habitualmente trabalham, os homens e as mulheres, o que os tolhe não é nenhuma incapacidade física ou mental, não é falta de r