102
tirarem impressões digitais, para fazerem isto e
aquilo. O concurso para piloto estava perdido, mas
ele não desistia de conseguir reaver o dinheiro,
mais cedo ou mais tarde abririam outro concurso,
se os miseráveis se estão a revoltar no norte como
o Canivetes garante, falta pouco para a guerra
começar e vão ser precisos mais pilotos. A polícia
foi respondendo que sim a tudo o que o Friedrich
pedia, mas não ligava nenhuma, devia achar a
história mal contada, o Friedrich metia os pés pelas
mãos quando tentava explicar porque é que tinha
tanto dinheiro num envelope e como é que o tinha
conseguido. O único vestígio de um possível roubo
era a porta forçada, mas muitas das portas da
pensão não estão em bom estado, não é fácil
deslindar um crime cometido numa pensão de um
bairro pobre como este, os estragos que se
acumulam com o tempo não são muito diferentes
dos que um crime pode originar, depressa se
desiste de apurar o que quer que seja.
Depois da conversa que teve comigo no carro, o
Mil-folhas parecia outro, mas o jantar com a Mónica
fez mesmo dele um homem novo. No final, pegou
na mão direita da minha prima e deslizou-lhe o
anel cheio de diamantes pelo dedo. Ela deixou
ficar a mão na mão dele e o Mil-folhas começou a
falar em casamento, em pôr a fábrica nova a
funcionar, planos e mais planos. No dia seguinte
voltei. Era preciso tratar do futuro como deve ser.
Foi o próprio Mil-folhas que me convidou
para gerente da fábrica nova e, quando lhe falei em
sociedade, aceitou logo, só exigiu cinquentacinquenta
para ninguém mandar em ninguém.
Concordei e dei-lhe pouco mais de metade do
dinheiro que havia no envelope que trouxe do
quarto da pensão. O resto guardo-o para juntar ao
lucro que for tendo, até ter o suficiente para abrir
uma fábrica só minha, não é bom depender de
ninguém.
O Mil-folhas não podia estar mais contente. Com a
Mónica e comigo. A produção da antiga fábrica de
bolos não se compara com a que consigo na fábrica
nova. É verdade que são coisas diferentes, mas o
Mil-folhas não pode ter dúvidas, as medidas que
impus na fábrica nova só têm vantagens, e tanto
não tem dúvidas que as adotou na fábrica antiga. É
melhor assim, senão os trabalhadores de uma iam
considerar-se prejudicados em relação aos da outra
e podia haver problemas. Trabalhadores
descontentes só criam complicações e uma fábrica
não funciona sem trabalhadores. Sentindo-se
tratados de forma igual, todos aceitam
pacificamente medidas mais duras, os tempos de
miséria servem mais do que justificação para que
tenham passado a ganhar menos e a trabalhar
mais. As pausas e os dias de férias também foram
diminuídos. Os homens podem trabalhar bastante
mais do que habitualmente trabalham, os homens
e as mulheres, o que os tolhe não é nenhuma
incapacidade física ou mental, não é falta de r