no dia seguinte, entregava o dinheiro ao júri do
concurso e partia logo depois.
Escondi-me perto da entrada da pensão e fiquei a
vigiar o Friedrich. A luz do quarto apagou-se e logo
de seguida ele saiu. Ia jantar, eu tinha tempo para
vasculhar o quarto todo. Quarto 205. Foi simples
forçar a porta. Levava uma lanterna mas preferi
acender a luz, não tinha por que me esconder, se
alguém me surpreendesse ali, estava simplesmente
a recuperar o que era meu. Quando isso acontece,
mesmo que tenhamos forçado uma porta, não está
certo que nos considerem ladrões. Se a Mónica ou
eu tivéssemos pedido ao Friedrich o dinheiro de
volta, ele não nos teria dado, mas se não nos dão o
que pedimos, temos o direito de ir buscar o que é
nosso, o que nos é devido. O roubo era anterior,
mesmo sem porta forçada, tinha sido o Friedrich
que o tinha cometido, um crime não existe ou deixa
de existir consoante haja indícios ou não. Não foi
preciso vasculhar nada. A minha pequena mala de
viagem já fechada junto à porta, estendida sobre a
cama a roupa que com certeza o Friedrich ia vestir
no dia seguinte para parecer muito digno perante o
júri a quem entregaria o envelope volumoso que
estava sobre a mesinha da cabeceira. Era quase
como quando os três deuses deixaram o dinheiro à
Mónica. Foi só pegar nele e trazê-lo.
Estava já aqui a contar o dinheiro, a Ana
adormecida junto a mim, quando o motorista do
Mil-folhas buzinou. Parou o carro em frente e veio
chamar a Mónica. No banco de trás, o Mil-folhas
esperava pela minha prima com um anel de
noivado cheio de diamantes. Apareci eu. Deixei a
Ana a dormir e fui explicar que a Mónica ia estar
uns tempos fora. O Mil-folhas não se teria
enternecido tanto com a história da avó, se eu não
tivesse acrescentado que ficar longe também
ajudava a minha prima a esquecer o desgosto
amoroso. O ar compungido que o Mil-folhas tinha
posto desapareceu e foi quase com entusiasmo
que lamentou, pobre avó, felizmente tinha netos
dedicados. O Mil-folhas ama a Mónica, fica triste
por a nossa avó estar doente, apesar de não existir
avó nenhuma, apesar de a Mónica, por quem ele
fica triste, nada sofrer com isso, mas fica contente
por ela não ser amada pelo homem que ama,
mesmo que isso a faça sofrer desmedidamente. É
estranho, o amor.
… trinta e um, trinta e dois, e três, e quatro, seis,
oito, quarenta, quarenta e um, e três, quatro, cinco,
sete, cinquenta. Durante um dia ou dois foi a
Mónica que apareceu. Aceitou jantar com o Milfolhas.
À luz das velas, no último andar do prédio
dos ricos, na sala voltada para o rio. Avista-se a
ponte, mas fica suficientemente longe para não se
conseguir distinguir se o Friedrich voltar a subir
para o muro, desesperado por não poder voar. Por
esses dias, ele ainda andava de volta da polícia a
insistir para investigarem como deve ser, para
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