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Mesmo os outros, os que já trabalhavam na fábrica
de bolos e as famílias deles também estão melhor,
mais satisfeitos. Até a muda que quando me trouxe
até aqui era tão magrinha, está roliça, com bom
aspeto. Passa muitas vezes por cá, sinto os olhos
dela fixos em mim como da primeira vez, volto-me
e vejo-a no terreiro. Fica lá fora como um bichinho,
sem fazer nada ou então a rabiscar os desenhos
dela. Nunca entra, mas já não foge se me aproximo.
Ainda há pouco a vi, sentada no chão, debaixo da
oliveira, aproximei-me e deixou-me ficar ao lado
dela enquanto fazia mais um desenho, uma cruz
onde pendurou uma bola a fazer de cabeça e uns
traços a fazerem de pernas e braços, depois uma
bola grande a toda a volta e outra vez a mesma
coisa, cabeça, pernas e braços. Olhou para mim,
sorri, está muito bonito, disse, mas tive de vir-me
logo embora, tinha clientes para atender. O café
também está a funcionar como deve ser. Desde que
a senhoria percebeu que o Mil-folhas gosta de mim
desistiu do aumento de renda, desistiu de exigirme
o pagamento de um ano em avanço, nem meio,
nem caução, nem nada, aceita a renda mês a mês,
mostra-se agradecida e simpática, como se o meu
passado já não a incomodasse ou como se se
tivesse esquecido dele. Faz isso por causa do Milfolhas,
para agradar-lhe, eu sei, mas também não
tem mal que seja assim, o importante é que estou a
tratar bem do dinheiro que os três deuses me
deram. Queria que os três deuses soubessem.
Tinha de encontrá-los e dizer-lhes isso.
Também vou ter de contar ao Mil-folhas o que
aconteceu. Da sala grande da casa dele, o último
andar do prédio dos ricos, avista-se a ponte, mas
dali só muito a custo alguém consegue ver um
homem de pé sobre o muro, prestes a atirar-se. Da
margem, sim, mesmo com a chuva que ontem caía e
estando ainda longe do sítio em que a ponte se
despega da terra, distingui-o perfeitamente. Vou ter
de contar ao Mil-folhas. O Mil-folhas gosta de me
ter em casa dele, diz que me ama e está sempre a
tentar que eu diga que também o amo, perguntame
“e tu, Mónica, amas-me?”, respondo que não sei
e ele fica triste. Não se deve mentir, mas fico
tentada a mentir. Se mentir ele fica feliz. Afinal qual
é o mal de mentir?, é bom fazer os outros felizes.
Acabo por mentir um bocadinho, ele insiste “nãosabes-mais-para-o-sim
ou não-sabes-mais-para-onão?”,
eu respondo que não-sei-mais-para-o-sim,
apesar de que não-sei-mais-para-o-não. E pensava,
como é que se pode ter a certeza do que é o amor?
Para mim, o amor seria quando quisesse beijar um
homem, eu não era capaz de beijar os homens da
rua da estação dos caminhos-de-ferro, das ruas à
volta da estação. Quando o Mil-folhas me beija não
me importo, mas mesmo assim nunca lhe disse
“sim, amo-te”. Devia achar que seria como quando
cheguei aqui, quando acontecesse reconheceria.
A chuva não deixava ver as coisas como elas são,
mas mais uns passos e não havia dúvida: um
homem. Devia estar a medir a altura até ao rio, a