ENTREVISTA A MÁRIO CLÁUDIO
F1. Numa entrevista que tem como fio condutor a
memória e a nostalgia, deixe-me perguntar-lhe
qual a mais antiga cena da infância, que consegue
recordar?
Creio não ser exactamente uma cena, mas uma
visão. Está uma tarde de sol, minha Mãe fica de pé
ao lado da cama onde me deito, e usa um vestido
branco, estampado com pequenos círculos
amarelos. Sinto-me feliz e seguro, e entre o sono e
a vigília, num mundo de transparências.
F2. Quando escreve sobre pessoas, reais ou
fictícias, é de si que no fundo fala, dos seus
sentimentos e consciência, ou o escritor apaga-se
na descoberta do outro?
As personagens agem e falam através de mim, o
que não significa que não consigam por vezes pôr-
me quase completamente de lado.
F3. Como e quando começou a escrever? Revisita
com gosto, na sua memória, esses primeiros
passos? Relê com prazer o primeiro livro que
publicou?
Pelos meus catorze anos escrevi um poema que me
apareceu no limiar de um ofício a desenvolver,
50 e aconteceu também isso num momento solar.
Não releio voluntariamente qualquer livro meu, e
quando me vejo forçado a fazê-lo por razões de
vária ordem, procedo sempre a contragosto.
F4. A ideia de uma busca do tempo perdido é
importante para si? Diria que está, de alguma
forma, presente na sua obra?
O tempo perdido constitui o tecido básico, ou o
suporte, da escrita de ficção, isto inclusive na dita
“ficção científica”. Mas é no presente que a busca
se processa, e daí que quem perde o presente, ou o
ignora, fique de mãos vazias.
F5. Quem foram os seus mestres literários e como
o influenciaram, quer os que conheceu em carne e
osso, e com os quais conviveu (onde, e como), quer
os que o ensinaram através da obra (e de que
obras, principalmente)?
Muitos e muitos, e em momentos diversificados.
Sem referir a Bíblia, nem os clássicos, Dickens e
Melville, Tolstoi e Proust, Virginia Woolf,
Wordsworth, Whitman e Eliot. Entre os nossos
António Vieira, Camilo, Eça, Aquilino, Agustina,
Camões, António Nobre, Sena. Diria que de certo
modo frequentei a casa de todos eles, juntei-me à
sua mesa, e procurei ouvi-los mais do que ouvir-me,
coisa muito rara nos discípulos de todas as épocas.