A Cadeira de Lona
Sandro William Junqueira
Está um dia quente. Um daqueles dias de verão em
que parece que uma vaca se deita em cima de nós.
Um calor dos demónios por toda a parte. E
mosquitos. E moscas. E respiração ofegante. E
dores nas têmporas. E pele a colar à roupa. Até
aqui, onde na maior parte do tempo é só vento e
nevoeiro. Nevoeiro e vento. A maior parte do
tempo. O presidente está no forte a gozar o seu
período de férias. Prepara-se para a toma da sua
dose diária de informação. A cadeira é de lona. De
cor bege. Ou salmão. É uma cadeira de lona. Bege
ou salmão. O Augusto Hilário, que também está no
forte, não de férias, mas em trabalho, tem um
jornal na mão. O jornal de notícias. Na mão. E
estende a mão. E empresta ao presidente o jornal
de notícias. Para que ele possa saciar o apetite. E
lambuzar os dedos. Augusto Hilário, depois de ter
emprestado o jornal de notícias, ajoelha-se junto
da cadeira de lona. Não para rezar. Antes fosse.
Ajoelha-se junto da cadeira de lona para verificar
com o indicador a temperatura da água do alguidar
de plástico. António Hilário encontra-se junto de
um alguidar de plástico com água morna. E da
cadeira de lona salmão ou bege. Prepara-se para
tratar daquele maldito calo que há tantos meses
importuna o presidente e o seu caminhar. Um calo,
é verdade. Coisa mais terrível não há. Um prego
teimoso que faz questão de penetrar a sola do pé
sempre que o presidente calca o chão com mais
38 força. Neste dia quente de agosto chegam notícias
da Checoslováquia.
Está no jornal. O presidente, interessado,
esganado, começa a ler a notícia em destaque na
primeira página ao mesmo tempo que o seu corpo
começa a a diminuir… a a a fletir… a a a descer…
Não tenho certeza quanto à utilização destas
palavras…. Dá inicio ao movimento que permite à
gravidade fazer o trabalho de o auxiliar a sentar-se.
Está nas gordas do jornal de notícias. A primavera
de Praga aproxima-se do seu fim. E a atenção do
presidente prende-se ali. Na junção daquelas letras
enquanto as suas rótulas começam a dar de si.
Ventos vermelhos sopram de leste e a primavera
de Praga ameaça morrer em pleno verão. E foi
então que aconteceu. Aconteceu. Foi. Aconteceu o
inesperado. Não se sabe se por um golpe de calor.
Se pelos mosquitos e moscas. Se pela atenção
dada aos ventos vermelhos de leste. Se por
aselhice ou distração. Se por descuido ou velhice.
Se por desequilíbrio ou debilidade da cadeira de
lona. Bege ou salmão. Na verdade, não se sabe.
Talvez nunca se venha a saber. Nunca. Há sempre
uma versão diferente para todas as coisas. E ainda
bem. Que interesse têm as coisas que se passam a
partir do momento em que se passam? Não se sabe
se por descuido, desequilíbrio – ou por mera
debilidade da cadeira de lona. O que é certo é que
o corpo do presidente falha a cadeira, ou a cadeira
de lona falha perante o peso do presidente, e a
cabeça do presidente dá uma forte pancada contra
as lajes do terraço do forte. No momento exato em
que pelas lajes do terraço do forte passou o