A Viagem Continua
Rui Cardoso Martins
Escrevi esta crónica há 11 anos, em Janeiro de 2009.
Foi publicada a 1 de Fevereiro no jornal “Público”.
Foi a primeira vez que escrevi sobre a morte da
minha mulher e mãe de dois filhos, a jornalista e
editora Tereza Coelho (1959-2009). A Tereza morreu
a 17 de Janeiro, na sequência de uma infecção que
se revelou fatal, vítima de negligência médica no
Hospital Cuf Descobertas, condenado em tribunal
em Agosto de 2015.
A crónica é, por assim dizer, um obituário pessoal.
Não gosto muito de nostalgia, mas precisamos da
memória, até porque sem ela não fica nada, nem
verdade, nem ficção. Quando me falam em memória,
é disto que me lembro: ao tio:
- Doutor, é para matar?
Que pena não podermos ir falar com Bill Goianes,
como fazíamos. Chegados ao deserto de Atacama,
logo floriu com uma chuvada, caso muito raro. No
"Vale da Lua", pediste:
- Não digas paisagem lunar.
- Que paisagem lunar.
Em Arica, pareceram-te as acácias vermelhas de
Lourenço Marques. Também gostavas da calçada
de Manhattan, os tijolos iguais aos de Moçambique.
Em Nova Iorque, com o António Lobo Antunes, a
Maria João, descobrimos frases de escritores no
empedrado. Lucille Clifton:
A Viagem Continua eles pedem-me para lembrar
mas querem que me lembre
das suas memórias
e eu continuo a lembrar-me
das minhas.
O mundo é pequeno mas redondo e não acaba. Há
dias, na Feira Internacional de Lisboa, o turismo
tentava salvar-se da crise. Entrei com um amigo, o
Jorge, que vive no Brasil. Deu-me folhetos do Rio
Grande do Norte (dunas do Natal, "As tartarugas
atravessam o oceano para vir comer aqui. Por
quê?"), de Maceió ("É bonito demais") e falou-me
de um homem que gostarias de conhecer: o Bill
Goianes, bandoleiro do Recife. Um tio do Jorge
levou 26 tiros à saída do banco e, como não
morreu, contratou o Goianes. Este matou os
implicados e os outros à volta e foram festejar com
36 cachaça. A meio da noite o bandoleiro, desdentado,
apontou a pistola à cabeça do Jorge e perguntou
Na Colômbia, o autocarro passou-nos um vídeo
sobre o que fazer em caso de sequestro. Em Miami,
deram-nos a suite dos noivos. Em Cuba, ficaste na
piscina com os miúdos e fui mergulhar com
barracudas. Na Eurodisney, o hotel do road-runner,
o pássaro que atormenta o coiote, bip-bip. Há
semanas, em Londres, o Henrique e a Sara
gostaram de tudo mas acharam o museu de figuras
de cera Madame Tussaud's uma simples atracção
com celebridades. Ficámos bem na foto ao lado da