escrevesse sobre o que acontece, não haveria
verdade. Porque a verdade é sempre algo que é
dito.
A mim, pareceu-me importante deixar dito quem
foi Sophia.
Das desventuras próprias à produção literária falta
ainda falar do objeto último de todo o trabalho e
esforço empreendido, geralmente tarefa para
vários anos, a execução de um exemplar de escrita
que virá a transformar-se no objeto a que
chamamos livro.
Começar por seguir os ensinamentos de Alexandre
Dumas sobre o melhor método para escrever uma
peça de teatro parece um bom princípio: «Não tem
dificuldade. Compre um caderno, forre-o muito
bem e na primeira linha escreva 1º Ato. Quando
chegar ao fim do caderno, a peça está pronta»
(Carvalho, 2014, p. 18).
papelinhos, tantas vezes intraduzíveis no dia
seguinte, mas que me parecem autênticas
emergências. Embora algo ansiosa, essa fase é
importante para conseguir despejar tudo pela ponta
dos dedos. É nesta altura que oiço amiúde piropos
do tipo: «Calma, o computador não tem culpa. Olha
que partes as teclas!». Mas o livro começa a nascer.
Depois vêm os lançamentos.
Durante quase três anos fui só eu, Sophia e o livro
que estava para nascer. Depois da publicação já não
somos nós e o livro, mas nós, o livro e o resto do
mundo. E isso pode ser uma relação distópica.
Por um lado, queremos que o resto do mundo faça
parte - afinal, é para isso que se escreve. Por outro,
tantas atenções chegam a parecer invasões. De um
dia para o outro passamos do maior recato e
isolamento, que é sempre a escrita de um livro, para
ficar sob os holofotes. Umas vezes alumiam, outras
encandeiam.
Embora nada aconteça sem este tiro de partida, tão
singelo quanto desconcertante, cada autor tem os
seus processos. Uns escrevem todos os dias, outros
de supetão. Eu sou das que inveja os primeiros e se
aproxima dos segundos. Tal significa passar por
uma fase no processo de investigação em que me
começo a sentir tão cheia, tão cheia, que parece
que vou explodir. Não era objetivo deste texto deixar ensinamentos
para futuros biógrafos, até porque, como nos diz
García Márquez (2015, p. 46), «não há conceito que
mais tarde ou mais cedo não seja ultrapassado pela
vida». Mas «se o exercício da dúvida produz maus
anúncios pode, em contrapartida, gerar melhores
escritores» (Carvalho, 2014, p. 17).
Aí é chegado o tempo em que vou acordar a meio
da noite para escrever coisas, rabiscos, em Que a dúvida nos acompanhe. Aos biógrafos. E aos
outros.
35