Fluir nº 4 - fevereiro 2020 | Page 34

(Shopenhauer, in Süssekind, 2009, p. 20) Sophia poderia subscrever este manifesto. O que me leva a outro ingrediente importante de uma biografia: as contradições. Não as forçadas, e menos ainda as forjadas, mas as que sempre vão com o humano. Se a palavra biografia vem do grego bios/vida + grafia/escrita, seria um erro esquecer que, antes de mais, estamos a contar uma vida. E qual é a vida que não se faz de contradições? Sophia criticou a política, mas esteve profundamente empenhada politicamente. No discurso que prepara para o primeiro congresso do Partido Socialista, diz: «Não queremos a violência, não queremos que a liberdade seja sofismada. Não queremos nem inquisições nem perseguições. Não queremos política da terra queimada. Não queremos política imposta.» (Nery, 2019, p. 211) Sophia não se identificava com feminismos, mas esteve na vanguarda. Dos 250 deputados da Assembleia Constituinte, apenas 27 eram mulheres e apenas uma - precisamente Sophia - presidiu a uma comissão parlamentar, a que estava responsável pela redação do preâmbulo da 34 Constituição. Sophia era poeta, mas escrevia sobre a realidade, como relata de forma inequívoca nas suas «Artes Poéticas»: «A poesia é a minha explicação com o universo (...) Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros (...),perfume da tília e do orégão.» (Andresen, 2015, p. 891) Depois do lançamento, em maio de 2019, uma das perguntas que ouvi mais vezes foi: Porque escreveu este livro? Eu dava todas as explicações que me foram fazendo sentido ao longo do processo de pesquisa e de escrita. Escrevi-o porque fazia falta; porque Sophia teve um lugar na História e não apenas um lugar na Literatura; porque uma biografia contribui para dar aos leitores a consciência desse lugar na História que a poeta ocupa; porque ler biografias também é uma forma de ver melhor um autor e o que deixou escrito; porque sou jornalista e um jornalista é um entregador de histórias; porque as histórias nos aproximam uns dos outros. Nem sei se precisaríamos de tantos porquês para biografar uma das poetas mais amadas pelos portugueses, a única mulher escritora com honras de Panteão Nacional. Talvez nos bastassem as palavras de Susan Sonntag quando nos diz que se não se falasse ou não se