Fluir nº 4 - fevereiro 2020 | Page 31

O que é uma Biografia? Isabel Nery Conta-nos uma história, mas não é ficção. Deve dar prazer de ler, mas nem todos a consideram obra literária. Afinal, o que é e como se deve contar uma vida em livro? A pergunta pode até parecer descabida e tem rápida resposta numa simples busca de dicionário: «Narração oral, escrita ou visual de factos particulares das várias fases da vida de uma pessoa» (Houaiss, 2003). Aceitamos sem grande risco de controvérsia que uma biografia é sempre a história de vida de alguém. Mas esta (aparente) simplicidade prende- se com o facto de estarmos a buscar definições do ponto de vista do recetor, do leitor. Se precisarmos de definições do ponto de vista do autor, do biógrafo, tudo se complica. Aliás, a verdade é que não vamos encontrar uma definição. Ou, pelo menos, não vamos encontrar uma definição universal, homogénea, aceite por uma maioria. Porque há tantas maneiras de escrever uma biografia quantos autores. Muitas vezes jornalistas, outras tantas romancistas ou historiadores, qualquer um pode publicar uma biografia. Quando, em 2016, Francisco Camacho, então meu editor na Esfera dos Livros, me perguntou de forma algo inesperada se eu não gostava de escrever uma biografia de Sophia, teria sido útil encontrar um «manual de boas práticas» ou uma qualquer Bíblia que me iluminasse o caminho para o complexo caminho que comecei desde logo a adivinhar. Nada disso havia. Por isso, socorri-me de um bem precioso: a liberdade. Não estando os caminhos fechados para este género (como, provavelmente, não deveriam estar para outros), decidi que poderia optar por um género próprio: o meu. Como, talvez por defeito profissional, penso primeiro nos interesses de quem me vai ler, decidi que devia escrever uma biografia baseada no que sei fazer melhor: reportagem. Assim, chamei ao meu livro uma reportagem biográfica. Também por razões que se prendem com o mesmo defeito do parágrafo anterior, entendo que a credibilidade de uma história está nas fontes. Foi isso que me levou à busca de todos os documentos (da Granja ao mar do Norte) e testemunhos (cerca de sessenta) que me pareceram relevantes. A necessidade de fontes documentais não levantará grandes dúvidas, embora tenha levantado inúmeras dificuldades, nomeadamente a que implicou perseverança digna de Dom Quixote e espera de um ano até obter os ficheiros relativos ao processo académico de Sophia, tema nunca cabalmente esclarecido até à publicação desta biografia. 1 ___________________ 1-Sophia só deixa o Porto para ir estudar Filologia Clássica em Lisboa, mas regressa ao fim de pouco mais de um ano, descontente com a experiência universitária. 31