O que é uma Biografia?
Isabel Nery
Conta-nos uma história, mas não é ficção. Deve dar
prazer de ler, mas nem todos a consideram obra
literária. Afinal, o que é e como se deve contar uma
vida em livro?
A pergunta pode até parecer descabida e tem
rápida resposta numa simples busca de dicionário:
«Narração oral, escrita ou visual de factos
particulares das várias fases da vida de uma
pessoa» (Houaiss, 2003).
Aceitamos sem grande risco de controvérsia que
uma biografia é sempre a história de vida de
alguém. Mas esta (aparente) simplicidade prende-
se com o facto de estarmos a buscar definições do
ponto de vista do recetor, do leitor. Se precisarmos
de definições do ponto de vista do autor, do
biógrafo, tudo se complica.
Aliás, a verdade é que não vamos encontrar uma
definição. Ou, pelo menos, não vamos encontrar
uma definição universal, homogénea, aceite por
uma maioria. Porque há tantas maneiras de
escrever uma biografia quantos autores. Muitas
vezes jornalistas, outras tantas romancistas ou
historiadores, qualquer um pode publicar uma
biografia.
Quando, em 2016, Francisco Camacho, então meu
editor na Esfera dos Livros, me perguntou de forma
algo inesperada se eu não gostava de escrever uma
biografia de Sophia, teria sido útil encontrar um
«manual de boas práticas» ou uma qualquer Bíblia
que me iluminasse o caminho para o complexo
caminho que comecei desde logo a adivinhar.
Nada disso havia. Por isso, socorri-me de um bem
precioso: a liberdade. Não estando os caminhos
fechados para este género (como, provavelmente,
não deveriam estar para outros), decidi que poderia
optar por um género próprio: o meu.
Como, talvez por defeito profissional, penso
primeiro nos interesses de quem me vai ler, decidi
que devia escrever uma biografia baseada no que
sei fazer melhor: reportagem. Assim, chamei ao
meu livro uma reportagem biográfica.
Também por razões que se prendem com o mesmo
defeito do parágrafo anterior, entendo que a
credibilidade de uma história está nas fontes. Foi
isso que me levou à busca de todos os documentos
(da Granja ao mar do Norte) e testemunhos (cerca
de sessenta) que me pareceram relevantes.
A necessidade de fontes documentais não levantará
grandes dúvidas, embora tenha levantado inúmeras
dificuldades, nomeadamente a que implicou
perseverança digna de Dom Quixote e espera de
um ano até obter os ficheiros relativos ao processo
académico de Sophia, tema nunca cabalmente
esclarecido até à publicação desta biografia. 1
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1-Sophia só deixa o Porto para ir estudar Filologia Clássica em Lisboa,
mas regressa ao fim de pouco mais de um ano, descontente com a
experiência universitária.
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