Memória e Nostalgia
Joana Pontes
I
Houve um tempo em que eu fazia como a minha
mãe, exactamente ao contrário do meu pai: quando
calhava ver as fotografias dos álbuns da infância
ou abrir a gaveta onde guardava cartas e postais,
começava a chorar. Primeiro ficava com um nó na
garganta, ou como dizia a minha Carolina quando
era pequenina, as lágrimas atravessavam-se como
um osso e não conseguia tão cedo voltar a falar.
Depois começavam a cair e as mãos ficavam
molhadas, as cartas e as fotografias também.
Seguia-se um choro desamparado e uma pressa
danada em arrumar tudo e voltar ao momento
anterior a esta peregrinação.
Há dois anos comecei a preparar um filme sobre
fotografia colonial. Foi aí que reparei que agora
faço como o meu pai, exactamente ao contrário da
minha mãe: pego nos álbuns, viro as páginas de
cartão grosso e as finíssimas folhas de papel de
seda que as cobrem e vejo com curiosidade como
éramos, o que fazíamos, onde estávamos. Levei as
minhas fotografias para este filme como prova de
que fomos felizes em muitas ocasiões, sem pensar
nisso, vivendo, apenas vivendo.
Nestas imagens encontrei os meus pais como
namorados apaixonados, eu e o meu irmão juntos,
como gostaria que estivessemos agora, as manhãs
na praia, as escolas onde estudámos, as festas de
20 aniversário e até as máscaras de carnaval que
usámos com a alegria contagiante do disfarce: eu,
de chinesa, com um quimono que era, afinal, um
robe de quarto e na cabeça um chapéu de cartão
azul escuro de onde saía uma trança comprida em
papel de seda preto. A meu lado, o meu irmão e um
vizinho de quem eu queria ser namorada, bravos
cowboys com pistolas presas num coldre de
plástico castanho e um chapéu a condizer. E
depois, lá estão as imagens do nosso crescimento.
Eu, a mais alta do grupo, os cabelos compridos e
um ar de desafio. O meu irmão, o mais alto do
grupo, os cabelos compridos e um ar discreto. A
seguir, um grande intervalo em que não há
imagens ou muito poucas, talvez dez ou quinze
anos. Nesse intervalo, caminhos diferentes
levaram-nos a sítios longínquos, e a vida foi
correndo.
II
Tenho à minha frente dois pianos e uma orquestra
de cordas. Tocam Bach.
Fecho os olhos. E logo estou numa pequena sala
com o meu pai. Tenho cinco ou seis anos e brinco
com um cão de peluche branco igual ao do Tintim.
Os olhos são duas contas negras e a língua é um
minúsculo pedaço de flanela vermelha, sempre de
fora. As persianas estão corridas até meio da
janela. A penumbra suaviza o calor.
O meu pai lê o jornal, como faz todas as tardes
quando chega do trabalho. Ouvimos música. A esta