Em movimento, entre passado e futuro
Rui Bebiano
Este é um tempo sobrecarregado com sinais do que
foi ficando para trás, onde ao mesmo tempo
sentimos uma crescente dificuldade em conviver
com a memória. O paradoxo é apenas aparente, não
sendo difícil atribuir-lhe um sentido. De um lado,
um melhor acesso ao conhecimento histórico e um
crescimento dos usos do passado, incorporados em
meios que vão da propaganda política à
publicidade comercial e são constantemente
ampliados; do outro, o volume e a velocidade da
informação circulante, apoiados na revolução do
digital, fazem com que tudo se transforme muito
depressa em algo de distante, tornando-se fácil
perder-lhe o rastro no arquivo labiríntico e de
dimensões infinitas para onde vão as suas marcas.
A memória, seja social ou física, seja individual ou
de grupo, é desde logo, uma experiência de perda.
Representa uma presença do passado que sempre
revivemos por mediação de vestígios e de
recordações, mas é também, como propõe Henry
Rousso, «uma consciência da ausência, do tempo
que passa, do tempo que se altera». Não recupera,
de modo algum replica, aquilo que aconteceu em
outra época, apenas estabelece uma conexão,
como a máquina do tempo ficcionada por H. G.
Wells, que vivia tanto de reminiscências quanto
dos processos edificadores suscitados pela
imaginação. Em alguns casos, aliás, ela pode
16 irromper a partir desse lugar do quase-nada, dessa
rasura do ocorrido, que é o esquecimento. Foi neste
sentido positivo que Marc Augé anotou ser «preciso
esquecer para continuar presente, esquecer para
não morrer, esquecer para permanecer fiel».
Coloca-se então a pergunta: mas, afinal, ser-se fiel a
quê? O esquecimento, seja ele acidental ou
consciente, impõe uma disciplina capaz de separar
aquilo que desaparece, ou se esconde, ou que então
é silenciado, do que pode ser retido pela lembrança,
sobrevivendo a esse abandono. Em regra, é a cultura
dominante, imposta pelos vencedores ou pelos mais
fortes nos territórios do combate político e social, a
determinar o que fica, aquilo que permanece por
mais ou por menos tempo, separando-se do que
rapidamente se esquece e evapora. Nesta medida, a
fidelidade mencionada por Augé assenta numa
busca daquela parte da verdade passada, tão forte e
presente como qualquer outra, que foi traída pelo
esquecimento. A consciência do esquecimento pode
assim levar-nos até ao elo perdido, ao que não
surge como óbvio, à interpretação, ao facto ou ao
intérprete omisso, para ir ao encontro do que estava
ali, mas que não víamos ou que algo escondia.
É este o papel que pode cumprir a nostalgia como
instrumento de encontro. Svetlana Boym atribuiu ao
conceito um significado denso e de uma natureza
não necessariamente negativa, doentia e passadista,
tal como ele é mais vulgarmente entendido.
Distinguiu, de forma muito vantajosa, uma