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Fui escolhido!
Não era o fim!
Precisavam de um velho. Isto de ser velho não é só desvantagens, pensei, sem mais conseguir pensar, nem explicar o que sentia. Sentei-me. Respirei fundo. Obriguei o coração a sossegar. Taquicardia?
Há muito que não era tão feliz.
E lembrei-me da minha mãe, da moldura, do diploma.
Fechei os olhos e tentei, do momento, dos sentimentos, fazer uma fotografia. Uma fotografia que encaixilhei numa moldura simples, lisa em madeira lacada.
Nessa noite não dormi tal o tamanho do sonho.
A mãe das minhas filhas a perguntar-me se dores, se a fisioterapia, se melhoras, e eu, porque precisava do tempo, melhoras nenhumas.
Depois os ensaios.
O ensaio geral.
A data de estreia.
Cartazes espalhados pela cidade a anunciar a peça.
Eu na fotografia. Ninguém me reconheceu.
Se a fotografia tivesse um asterisco em rodapé, seria uma pergunta, como é que esta pessoa, eu!, passou 40 anos sem fazer teatro.
E resposta nenhuma. Não consigo encontrar resposta.
Quanto à tournée sul-americana, não foi preciso procurar resposta, estava na ponta da língua, um sim
faltam-me as mãos ocupadas e os olhos espantados dos outros, falta-me um gabinete, uma secretária, o ser tratado como chefe.
Todavia num repente, talvez porque cansados da barata tonta, os outros a imporem-me tarefas, para me manterem activo, dizem. Quatro netos, das duas filhas mais velhas, um infantário, duas escolas primárias, um colégio, eu o autocarro das 9:00 e das 17:00, mais as duas voltas ao cão, o terceiro cão, a mesma raça, o mesmo nome, nas fotografias parece sempre o mesmo cão, o comprar o pão, as contas da água, do telefone, da luz, o banco, a lavandaria, o mecânico, o cortador de relva, o jornal, e eu de novo ocupado, as horas dos meus dias cheias.
Dez meses nisto, quase um ano.
O tempo em voo planado. Agora sei que o tempo viaja de avião.
Até que uma manhã li o anúncio de um casting no jornal, uma companhia de teatro importante, e sem hesitar inventei uma doença e desenvencilhei-me dos afazeres que me impuseram, fisioterapia, mazelas na coluna, atrofia, resultado de 40 anos sentado a uma secretária. Fisioterapia! Horas sem fim de exercícios, melhoras nenhumas, e com o coração nas mãos, correndo seriamente o risco de taquicardia ou enfarte, apresentei-me a audição.
Na sala de espera, era o mais velho.
Pela primeira vez na minha vida senti-me velho e inútil, quase ridículo, senti-me no fim.