Fluir nº 2 - fevereiro 2019 | Page 20

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Helena Araújo

Dois lisboetas iam a caminho do Algarve, e ao passar na Aldeia dos Fernandes começaram a discutir qual seria o gentílico daquela terra. Incapazes de chegar a acordo, resolveram perguntar a um homem que ali estava a gozar uma sombrinha:

- O senhor sabe o nome dos habitantes desta terra?

- Sei, sim senhor.

- E pode dizer-nos?

- Mas... querem mesmo saber o nome de cada um deles?

*

Vivo há trinta anos na Alemanha, e ainda não descobri se neste país se pode sacudir tapetes à janela. Sacudo na mesma: levo os tapetes para a varanda, perscruto discretamente a rua para detectar possíveis inimigos, e se a costa está livre desato a sacudir o pó furiosa e rapidamente, para desaparecer logo a seguir. Mas um dia, em plena troca de tapetes, o meu olhar cruzou-se com o de uma senhora que andava a passear o cão na rua. “Às trincheiras!”, gritei dentro de mim. Recolhi o tapete e baixei-me. De cócoras na varanda, dei-me conta do ridículo da situação: temia a acusação de falta de higiene por parte de alguém que usa a rua de todos como sanita do seu cão. Mas ela tinha uma boa desculpa: é o costume no seu país. E eu ainda não descobri se sacudir tapetes à janela também é

costume do país dela, ou um hábito pernicioso dos outros, os que vêm de fora. Eu.

Contei a um amigo alemão estas dúvidas que me obrigam a tiques de clandestina no país dele. Riu-se: “Eu também não sei! Quando descobrires, avisa.” Ora, descubra ele, que joga em casa! Se for apanhado a sacudir tapetes à janela, o pior que lhe pode acontecer é chamarem-lhe porco, ou parvo. Já eu, se for apanhada, reforço a minha condição de pária.

*

Na Alemanha serei sempre a estrangeira, a de fora, a dos outros. Por muito bem que fale a língua, por muitos impostos que pague, serei sempre a portuguesa. Em Portugal sou “a alemoa”.

Ora estrangeira, ora estrangeirada: quem emigra é excluído do pacto tácito do nós, e passa a viver na condição de exterior a qualquer um dos seus grupos.

Outro é o nome do meio dos emigrantes.

*

Conta-se que, quando os técnicos da Câmara Municipal do Porto rejeitaram o projecto de Siza Vieira para a Casa Manuel Magalhães, na Avenida dos Combatentes, alegando que não combinava com o estilo das casas dessa rua, o arquitecto