Fluir nº 2 - fevereiro 2019 | Page 18

reflexão sobre o que é despertar a memória e lidar com ela. Há olhar para trás, para o que foi feito, e ler muito. Mas não há receitas. Por isso a teoria sobre biografia é muito baseada na experiência própria de cada biógrafo, nos problemas com que se defrontou, como os resolveu ou não, as trapalhadas em que se meteu.

Neste momento, a biografia do Cesárique inicio será muito baseada em trabalho de biblioteca. Há poucos documentos sobre ele, e evidentemente não tenho depoentes. Quero fazer diferente do que já fiz, tanto no Alexandre O’Neill como na biografia do Ar.Co [Não. Uma Biografia do Ar.Co, Documenta, 2014].

E ao que acede, exactamente? À pessoa? A uma imagem pública? A uma personagem? Por rigorosa que seja, que parte de ficção existirá numa biografia?

Tudo importa: a imagem pública, a que o biografado projectou ou pretendeu projectar, os mitos próprios e os alheios. Isso é o que surge primeiro. Mas para mim é necessário aceder à privacidade, ao pormenor que parece não ter valor mas afinal é ele que nos dá o quotidiano do biografado, as suas pequenas manias, os gestos e palavras apenas rosnadas. É a partir daí que se pode dar a ilusão de vida, que posso libertar-me da tirania cronológica e factual e chegar à personalidade.

paralelamente, a biografia de outra pessoa? De que pessoa? Que cidade? Porquê?

Não sendo um ponto de partida, Lisboa é uma personagem importante na biografia do Alexandre O’Neill. Nem poderia ser de outro modo, tratando-se de O’Neill. Como também na biografia que estou a iniciar, de Cesário Verde. Lisboa — agora a do século XIX — será revisitada, esmiuçada, reconstruída. Talvez, aqui sim, como ponto de partida.

Lisboa é uma das ligações entre os dois poetas, de facto. Mas a minha escolha de ambos é fundamentalmente ditada, julgo eu, pela obra que deixaram. Poderá haver outros motivos mais recônditos, mas não me cabe a mim analisá-los.

Como prepara uma biografia, desde o momento em que percebe o seu interesse (ou fascínio) por dada figura, até aos meios e ao trabalho com que procura reconstituí-la?

Isso é um longo percurso. Já falei um bocadinho dele na resposta à primeira pergunta. Mas o interessante é que não há método para biografar, porque cada biografado requer uma aproximação única — o que diz bem do género biográfico como sendo a assunção do indivíduo. Quer dizer, há uns métodos de pesquisa, uns cuidados a ter com o envolvimento pessoal com o biografado, uma

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