Fluir nº 2 - fevereiro 2019 | Page 16

Quando escreverem a biografia da Maria Antónia Oliveira, que três aspectos da sua vida considera essenciais para que começassem a conhecê-la?

Não consigo resumir a minha vida a quaisquer essencialidades. Conhecer é, de resto, uma arte de pormenor. Posso no entanto designar três condições para uma possível escrita da minha biografia.

A primeira é, sem dúvida, estar morta. Enquanto eu estiver viva, serei uma grande maçadora para qualquer biógrafo que quisesse aproximar-se de mim. Havia de tentar, primeiro, convencê-lo de que a minha vida não tem interesse nenhum e que há imensos portugueses para serem biografados. Se essa pessoa persistisse — que é dever e qualidade de todo o biógrafo sério — seguir-se-iam meses de jogos de escondidas, sobressaltos, insónias e rabujice. Não seria desejável.

Estando esta primeira condição cumprida, o segundo passo importante para me conhecer seria falar com as pessoas que comigo privaram: amigos, conhecidos, a Dona Amélia (porteira do prédio), o moço que me fazia os bloody marys no Lux, a minha família, os meus ex (amigos e namorados), os meus vizinhos de baixo da Rua Monte Olivete, os inimigos, as embirrações, os colegas de carteira na escola e no liceu, os meus alunos, as senhoras das Finanças da minha repartição, enfim, gente que

realmente contou na minha vida e que a pode contar.

Depois, seguir os meus passos no mundo, como Graham Greene ordenou ao seu biógrafo Norman Sherry (“You are my biographer, you date my journeys”). Ir a Viseu, onde nasci e passei os primeiros 18 anos, Coimbra, as várias casas onde vivi em Lisboa, as viagens que fiz, os sítios onde me demorei ou com que sonhei ardentemente mas onde não cheguei a ir. Não tanto para olhar essas casas, pois muitas delas já não existem ou estão transformadas, mas para se olhar o mundo a partir desses lugares e tentar ter a minha perspectiva.

Finalmente, ler o que eu escrevi. Não só o que publiquei, mas as cartas que enviei, e o que ficará dentro do meu computador, esquecido e impublicável.

Que encontra, na sua autobiografia, que a tenha levado à descoberta e ao interesse pela escrita biográfica?

Na verdade, não encontro nada de especial na minha vida que indique um interesse precoce pela escrita biográfica. Não posso dizer que desde menina sabia que ia escrever a vida dos outros. Nem sequer a minha ou de pessoas à minha volta. Não escrevi poemas ou contos na adolescência. Também não tinha um diário — isso só na idade adulta, e muito

ENTREVISTA a Maria antónia oliveira

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