Fluir nº 2 - fevereiro 2019 | Page 11

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3 Poemas para a Síria

achava que o Aylan era demasiado pequeno para compreender e, por isso, dissera-lhe apenas que iríamos dar um passeio de barco, que passaríamos o dia numa praia e que, enquanto eu e a minha mãe nadássemos no mar até ficarmos sem fôlego, ele

podia simplesmente deitar-se de bruços na areia, como tanto gostava. O meu pai nunca nos mentiu.

Mote:

Síria: Bebé e três crianças da mesma família mortos em raide aéreo

Por serem mães, nem viram aquilo que

parecia um raio de sol interrompendo o

mundo; e levam os meninos mortos ao

colo no fio dos caminhos, confundindo

sempre a lã dos xailes com o calor do

sangue que lhes ensopa as mãos. Seguem

sem poder acreditar – ou então acreditam

que não seriam capazes de amar tanto

uma coisa parada no tempo, e por isso

vão, imperturbáveis, ouvindo bater dentro

do próprio peito os corações vermelhos

pequeníssimos. Mais adiante, deter-se-ão

para descobrir um seio redondo e cheio à

minúscula boca prometido – não vá ela

abrir-se de repente e, milagrosamente,

começar a chorar