O som das asas
António Costa Santos
O Mensageiro de Godot sobe a rampa junto à árvore , com passos tímidos , receoso do silêncio que invadira o cenário do primeiro acto . Ainda agora , poucos metros antes , nos bastidores , ouvia Vladimir gritar com Estragon . Didi ajudava Gogo a tirar as botas , mas Gogo insultava-o . O Mensageiro atrasou o passo , não fosse o vagabundo mais fraco pedir-lhe auxílio para descalçar o vagabundo mais agreste . Depois , os dois calaram-se , como se tivessem sentido a sua presença iminente . Mas não podia ser , o Mensageiro tinha instruções para não produzir sons de aviso . O Sr . Godot recomendara :
- Aparece de súbito . Leva esta camisa branca para sobressaíres no escuro . O efeito que pretendo é que surjas como um anjo . Sabes o que é um anjo ? Foi das primeiras coisas úteis que te ensinei . Eles aprenderam a reconhecer anjos , tens de te parecer com um deles . E não faças barulho .
- Não vai ser fácil , Sr . Godot – disse o Mensageiro . – As asas dos anjos produzem sons ao bater , foi o que me disse o Sr . Godot . Os vagabundos vão ouvir .
Godot , impaciente , exclamou : o que lhes vão chamar , quando esta história subir ao palco . São dois homens que foram postos ali , junto àquela árvore , e que não fazem ideia do que possam ou devam fazer neste mundo .
- Sim , meu senhor – disse o Mensageiro como diria se tivesse percebido . Vestiu a camisa branca e partiu .
- O que é isto ? – exclamou Vladimir , quando o pretenso anjo avançou do negro para debaixo do holofote . – O Sr . Godot ?
- Não pôde vir , meu senhor – respondeu o Mensageiro .
- E tu quem és ? – perguntou Gogo .
- Guardo as ovelhas , meu senhor .
Minutos depois , estava cumprida a tarefa mais difícil do Mensageiro , aparecer angélico e sem ruído . No segundo acto , já poderia bater as asas à vontade .
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- Absurdo ! Não disse que tens de ser um anjo , tens só que o parecer . E eles não são vagabundos , isso é