Fluir nº1 - Renascimentos - 2018
RENASCER E FLUIR
José Pacheco
Se sou um dos muitos que não prescindem do papel
quando se trata da leitura como prazer, um desses que
cheiram as folhas dos livros e descobrem, no mero acto
de folhear, uma insubstituível experiência táctil,
entender-se-á que a minha participação numa revista
digital não significa, nem poderia significar, a
participação numa espécie de manifesto futurista dos
nossos dias; a intenção de modernizar leituras e
leitores. Contudo, a natureza desta revista tem as suas
virtualidades, de que seria um desperdício não tirar
partido. Para já, o baixo custo: criarmos Fluir, requereu,
unicamente, computadores, «competências» e muita
vontade, e o talento que poderão encontrar nas páginas
seguintes. Pensámos nela, desde o início e no seu
próprio conceito, como gratuita, o que não
conseguiríamos se se tratasse de uma revista em papel.
Desejávamos alcançar uma vasta comunidade de
leitores em rede, o que a internet possibilita. Assim, sem
o intuito de vender ou de se vender, não se
preocupando senão com a aspiração a ser interessante e
de bom-gosto, num acto livre, puramente cultural, esta
revista pretende tornar-se visível para muitos e cada vez
mais leitores.
O primeiro número tem, como tema agregador,
renascimento(s). Em todas as acepções da palavra, quer
se trate do sentido histórico, ou filosófico, ou
psicológico, ou político, ou literário, e em diversos
campos, da entrevista ao ensaio, à poesia, ao conto, ao
vídeo ou à ilustração, o que Fluir procurou foi a
exposição de variadas, diferentes e, porventura, opostas,
experiências de «ressurreição».
Uma forma de renascimento terá sido, certamente, para
muitos portugueses, o regresso de África: o retorno.
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Para o bem ou para o mal, entre o que perderam de
tudo quanto julgavam ter construído, e o sonho de uma
reconstrução no país de origem, para onde voltaram, de
que já se não lembravam e se não lembrava deles, que
os não compreendeu, mas aceitou, retornar (ou, para as
gerações mais novas, «desenraizar-se») foi, de facto,
renascer em outro universo. Sob o signo do retorno é
feita a entrevista a Isabela Figueiredo (autora de
Caderno de Memória Colonial e de «A Gorda»,
galardoada com o Prémio Literário Urbano Tavares
Rodrigues), de uma sinceridade e uma auto-exposição
comoventes, e a narração do conto «Índico» (Nuno
Vaz), com o seu particular twist. Uma outra entrevista, à
designer Ana Cristina Marques, tem, como eixo, a bela,
no modo como nos seduz, e terrível no modo como
nos captura (qual uma armadilha) «despertaDOR»,
uma instalação que esteve em exibição na Bienal de
Cerveira, onde se apresentou como «uma proposta de
renascimento na relação do homem com as outras
espécies».
Julieta Monginho, num texto sensível, palpitante de
empatia, remete-nos para uma inesperada e, contudo,
evidente, outra forma de renascimento: a adopção. A
partir da sua vivência como jurista que lidou com
diversos casos de crianças em processo de adopção,
Julieta Monginho fala-nos desse renovar de tudo,
completo e complexo, em que, tantas vezes, o próprio
nome, símbolo maior da identidade da pessoa, acaba
mudando.
Ainda uma inesperada e evidente forma de
renascimento: Elisa Costa Pinto escreveu um conto
sobre os refugiados do passado.