Fluir nº 1 - setembro 2018 | Page 4

Fluir nº1 - Renascimentos - 2018 RENASCER E FLUIR José Pacheco Se sou um dos muitos que não prescindem do papel quando se trata da leitura como prazer, um desses que cheiram as folhas dos livros e descobrem, no mero acto de folhear, uma insubstituível experiência táctil, entender-se-á que a minha participação numa revista digital não significa, nem poderia significar, a participação numa espécie de manifesto futurista dos nossos dias; a intenção de modernizar leituras e leitores. Contudo, a natureza desta revista tem as suas virtualidades, de que seria um desperdício não tirar partido. Para já, o baixo custo: criarmos Fluir, requereu, unicamente, computadores, «competências» e muita vontade, e o talento que poderão encontrar nas páginas seguintes. Pensámos nela, desde o início e no seu próprio conceito, como gratuita, o que não conseguiríamos se se tratasse de uma revista em papel. Desejávamos alcançar uma vasta comunidade de leitores em rede, o que a internet possibilita. Assim, sem o intuito de vender ou de se vender, não se preocupando senão com a aspiração a ser interessante e de bom-gosto, num acto livre, puramente cultural, esta revista pretende tornar-se visível para muitos e cada vez mais leitores. O primeiro número tem, como tema agregador, renascimento(s). Em todas as acepções da palavra, quer se trate do sentido histórico, ou filosófico, ou psicológico, ou político, ou literário, e em diversos campos, da entrevista ao ensaio, à poesia, ao conto, ao vídeo ou à ilustração, o que Fluir procurou foi a exposição de variadas, diferentes e, porventura, opostas, experiências de «ressurreição». Uma forma de renascimento terá sido, certamente, para muitos portugueses, o regresso de África: o retorno. 4 Para o bem ou para o mal, entre o que perderam de tudo quanto julgavam ter construído, e o sonho de uma reconstrução no país de origem, para onde voltaram, de que já se não lembravam e se não lembrava deles, que os não compreendeu, mas aceitou, retornar (ou, para as gerações mais novas, «desenraizar-se») foi, de facto, renascer em outro universo. Sob o signo do retorno é feita a entrevista a Isabela Figueiredo (autora de Caderno de Memória Colonial e de «A Gorda», galardoada com o Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues), de uma sinceridade e uma auto-exposição comoventes, e a narração do conto «Índico» (Nuno Vaz), com o seu particular twist. Uma outra entrevista, à designer Ana Cristina Marques, tem, como eixo, a bela, no modo como nos seduz, e terrível no modo como nos captura (qual uma armadilha) «despertaDOR», uma instalação que esteve em exibição na Bienal de Cerveira, onde se apresentou como «uma proposta de renascimento na relação do homem com as outras espécies». Julieta Monginho, num texto sensível, palpitante de empatia, remete-nos para uma inesperada e, contudo, evidente, outra forma de renascimento: a adopção. A partir da sua vivência como jurista que lidou com diversos casos de crianças em processo de adopção, Julieta Monginho fala-nos desse renovar de tudo, completo e complexo, em que, tantas vezes, o próprio nome, símbolo maior da identidade da pessoa, acaba mudando. Ainda uma inesperada e evidente forma de renascimento: Elisa Costa Pinto escreveu um conto sobre os refugiados do passado.